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Água: um bem para a vida ou para negócios?

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“Dona Claudete, aguando suas plantas na frente da casa em Hortolândia, observava do outro lado da rua o senhor Francisco lavando o seu carro. Era um tempo de grave seca, represas próximas do colapso. Ela puxou conversa: o senhor sabe que a prefeitura tá multando quem gasta água à toa lavando carro? De imediato, respondeu Francisco:  aguar as plantinhas também, mas eu tenho que levar a mulher ao médico, ela está com rinite e, se tiver poeira, pode morrer. Não satisfeita, a senhora emendou: podemos morrer de sede. Ou de poeira, completou o vizinho.”

Dona Claudete e o senhor Francisco sabem que a água sempre encontra um caminho para correr, mas eles pouco conhecem os descaminhos da privatização da Sabesp.

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A Agência Pública, uma agência de jornalismo investigativo independente fundada e dirigida por jornalistas, pode jogar luz sobre esta negociação para transformar a Sabesp numa empresa de negócios. O caminho já está sendo pavimentado há alguns anos. A Agência afirma que apenas 50 empresas podem usar a mesma quantidade de água que metade do Brasil. Abasteceria quase 94 milhões de pessoas. Portanto, 5,2 bilhões de caixas de água de 1.000 litros podem ser consumidas a cada ano por 50 empresas do setor do agronegócio, da cana-de-açúcar e do papel/celulose. Recebe uma autorização chamada “outorga” concedida pela Agência Nacional de Águas. Por outro lado, relata o Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento que em 2021, havia 32 milhões de brasileiros sem acesso a água tratada e que 91,3 milhões viviam sem esgotamento sanitário.

De um lado, a desigualdade no acesso à água e saneamento e, de outro, as outorgas benevolentes para até 20 anos. Duas faces da moeda onde os critérios para concessão são questionáveis. O desmatamento, a mudança climática, a saúde hídrica das bacias e os ecossistemas são tratados como algo externo ao negócio.

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A empresa privatizada de saneamento do Rio de Janeiro apresenta, em sua tabela de preços para 2023, uma nítida vantagem para a indústria comparada à residência. Para o consumo acima de 60 m³, a diferença de valor chega a mais de 20% de desconto para a indústria em relação ao consumidor residencial. A empresa Águas do Rio é privada. Por outro lado, a Sabesp, atualmente como empresa pública, mantém uma tabela de preços que beneficia o consumidor residencial em relação à indústria, que paga 76,5% a mais, segundo o Comunicado 4/2023. Para driblar esta tabela, existem contratos de demanda firme onde a indústria paulista obtém privilégios da Sabesp chegando a um preço menor em 6,5% por m³ daquele valor pago pelo cidadão do bairro.

De acordo com o levantamento realizado no ano de 2018 pelo Instituto Trata Brasil, o custo da água para os brasileiros na faixa de até dois salários mínimos representava 3,7% do orçamento familiar. E assinala que as famílias brasileiras pagam mais pelo consumo e saneamento do que as empresas. E, paradoxalmente, são estas famílias que têm desenvolvido nas últimas décadas uma consciência e certa vigilância no consumo da água.

Por fim, o dado mais impressionante vem do sistema do IBGE, Contas Econômicas Ambientais da Água, que permite contabilizar os recursos naturais envolvidos na produção de bens e serviços. Segundo o CEAA 2013-2017, 97,4% do consumo total de água no Brasil, sem considerar aquela que retorna ao meio ambiente, foram destinados à agricultura, pecuária, política florestal, pesca e aquicultura. 1% foram destinados à indústria e construção e 0,8% a água e esgoto. Segundo o IBGE, em 2020, o consumo total de água para as famílias somou apenas 0,69%.

Por que privatizar?

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Os dados acima demostram que o vago discurso da privatização esconde uma razão. Segundo Enrique Leff, economista mexicano, a economia neoliberal primeiro simplifica a complexidade dos processos naturais e os assimila sob uma lógica e estratégia de poder para se apropriar da natureza como fonte de produção e riqueza. A privatização da Sabesp é uma apropriação de um bem comum da natureza, a água que compreende as bacias dos rios, as represas, os aquíferos e os ecossistemas que pertencem a todos os paulistas.

Segundo Eduardo Galeano, no seu célebre livro As veias abertas da América Latina, recebemos na segunda metade do século XX recursos para uma produção voltada tão e somente para o mercado interno e para o processamento dos recursos naturais destinados à exportação. Testemunhamos atualmente um momento célebre da reprimarização da economia brasileira, onde exportamos produtos com alta densidade de consumo de água e energia elétrica, como a soja, o milho, a carne, o minério de ferro, a celulose e outros. Os danos ambientais são vistos como externalidades.

A privatização da Sabesp significa, portanto, a nossa inclusão subalterna na economia capitalista mundial. Com ela entregamos um elemento essencial para a vida humana, a água, para se tornar um negócio para os “donos da água”. Um negócio a mais.  Negócios que impactarão as vidas de Claudete e Francisco e suas novas divergências.

Ana Perugini é deputada estadual pelo PT/SP, integrante da Comissão de Assuntos Metropolitanos e Municipais da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo

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