Connect with us

Coluna

Quem realmente comanda o Brasil?

Publicado

em

brasil

            Desde que os primeiros hominídeos desceram das árvores e começaram a cozinhar a carne dos animais que caçavam, marcando, de acordo com alguns cientistas, o início do que chamamos de vida em sociedade e do desenvolvimento da lógica humana que, com a sua ação devastadora, transforma o meio natural que nos cerca, uma questão delicada nunca deixou de ser colocada: quem deve comandar?

            Naturalmente, como acontece com outros animais, o mais forte geralmente detém o poder, sendo substituído quando morre naturalmente ou quando é morto por outro mais forte do que ele. Com o desenvolvimento da vida em sociedade, porém, deixou de ser tão simples a associação entre a força física e o poder. Com a ampliação da técnica de fabricação de armas ao longo dos séculos, passou-se a atribuir o poder, grosso modo, ao detentor do maior número de armas ou aos que sabiam comandar e subjugar grupos de homens armados.

Anuncio

            A lógica humana, porém, veio ao mundo para complicar as leis que regem as relações naturais. Matar ou ser morto, portanto, deixou de ser o único fator a determinar quem detinha o poder. A nossa razão nos leva continuamente a querer conhecer sempre mais e a especular continuamente. Entre outras coisas, passou-se a especular sobre o destino tanto da alma do fiel, nosso amigo, que por nós combateu, como do “infiel”, que tentou subverter a nossa ordem, espalhando outras verdades, somente suas, contrárias às que julgávamos verdades únicas e sacrossantas. É aí que entra o elemento religioso para complicar ainda mais.

            Só para ter uma ideia, na Idade Média especulava-se sobre o destino da alma do mítico Carlos Magno, isto é, se ela deveria ir para o inferno, pelos povos que ele subjugou e pelos inocentes que mandou matar, ou para o paraíso, pela grandeza das suas ações. Convencionou-se, enfim, que ela poderia ir para um destino intermediário, isto é, para o purgatório.

Advertisement

            Sempre na Idade Média, mais especificamente na Baixa Idade Média, não faltaram debates acirrados entre filósofos, teólogos e membros da alta cúpula da igreja. Enquanto Ockham (c.1280 – c.1349), por exemplo, afirmava que o poder dos que governam emana diretamente de Deus, mas deveria ser submetido a uma escolha popular, o papa Bonifácio VIII (c. 1235 – 1303), com a bula Unam sanctam, acreditava que o poder temporal (dos governantes) deveria ser completamente submetido ao do pontífice. Na prática, essa bula visava a justificar as ingerências do papa nos assuntos políticos. Por essa razão, e por ter sido uma vítima direta das interferências papais, Dante Alighieri não tinha dúvidas de que a alma de Bonifácio VIII encontraria um lugar adequado no “Inferno”!

            Ao longo dos séculos, em sociedades sempre mais urbanizadas e com populações sempre maiores, tudo isto aliado ao desenvolvimento da ciência empírica, a partir do século XVII, e da tecnologia ligada às armas e, consequentemente, ao aparelhamento dos exércitos, ficou cada vez mais difícil designar e consolidar os grupos destinados ao exercício do poder. Subjugar as massas e mantê-las “calmas”, dando-lhes a sensação de bem-estar e, quando possível, assegurando-lhes períodos sempre mais longos de relativa paz, tornou-se uma tarefa sempre mais complicada.

            O surgimento da chamada “democracia burguesa”, com a Revolução Francesa e, sobretudo, com a independência dos Estados Unidos, buscou dar respostas ao questionamento de Ockham (e de outros). O poder supostamente emanaria não mais diretamente de Deus, sendo apenas corroborado pela vontade popular, mas dependeria direta e unicamente da escolha livre e legítima do voto popular.

            Não é difícil, porém, imaginar, o quanto é relativo o poder que emana das urnas. Os próprios candidatos a serem escolhidos nem sempre são os que poderiam representar a vontade popular. Além do mais, a escolha dos futuros governantes cada vez mais ficou sujeita, com o desenvolvimento do capitalismo, aos detentores do capital, outrora banqueiros e industriais, hoje principalmente investidores e especuladores financeiros, sem contar a ingerência e a influência direta da mídia, sobretudo a partir do século XX.

Advertisement

            Enfim, trazendo o discurso para o contexto atual brasileiro, quem realmente detém o poder? Quais forças regem a economia e as finanças que nos afetam diretamente? Pelo que se tem visto, considerando verdadeiras as denúncias cotidianamente apresentadas pela mídia, o Brasil foi governado nos últimos quinze ou vinte anos por poderosas empreiteiras que tencionaram realizar os sonhos de grandeza e de progresso de grupos ligados a um partido caracterizado por atitudes populistas, endividando o Estado e concedendo subsídios e auxílios aos mais desfavorecidos que, inicialmente, podem até ter amenizado o quadro de miséria de muitas regiões brasileiras, mas que não constituíram ações de efetiva e duradoura mudança.

            O poder no Brasil atual, portanto, não emana de governantes escolhidos diretamente pela graça divina que ilumina os eleitores, tampouco da vontade popular que é constantemente obrigada a escolher entre duas facetas, só aparentemente opostas, de representantes das elites que se perpetuam no comando, sempre sujeitos à corrupção que a tudo envolve, sufocando as poucas iniciativas realmente inovadoras. Enfim, no atual governo-tampão, como nos governos anteriores, quem realmente exerce o poder no Brasil está invariavelmente ligado ao empreendedorismo amarrado ao Estado, sem o qual não sobrevive, tendo como consequência uma inevitável relação de compra e venda, em que o vil metal aniquila facilmente consciências, ideologias e fés de todos os gêneros. As eleições não são realizadas para corroborar a vontade popular, mas para dar uma roupagem legítima a uma forma de organização que não existe sem a corrupção, dentro da qual é indiferente a concessão ou de não de auxílios-esmolas aos mais desfavorecidos.

            Nessa situação crítica, para que haja uma verdadeira mudança há duas possibilidades: uma sublevação popular com a vitória dos grupos realmente dispostos a mudar o país ou uma intervenção divina, supostamente iluminando as mentes dos eleitores e fazendo surgir o predestinado por Deus para um bom e duradouro governo. Que me desculpem os que ainda acreditam em revoluções ou os que possuem fé religiosa, mas não acredito em nenhuma das duas possibilidades. Não vejo como e não acho necessário indicar possíveis caminhos para o Brasil no atual momento. Só nos resta, portanto, acompanhar o andamento da carruagem e confiar na aplicação implacável das leis e numa melhora urgente das instituições educacionais e culturais em geral, sem as quais nunca haverá verdadeiro progresso.

 

Advertisement

Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.

COMPARTILHE NAS REDES SOCIAIS
Compartilhar no Facebook

Lei Proibida a reprodução total ou parcial, sem autorização previa do Portal Hortolandia . Lei nº 9610/98

Noticias

ações para combate de queimadas ações para combate de queimadas
Nossa Cidade7 horas ago

Hortolândia registras diversos focos de queimada neste sábado

Hortolândia enfrentou uma intensa nuvem de fumaça na noite de sábado (27), impactando significativamente a qualidade do ar. Moradores relataram...

inauguração assembléia de Deus Hortolândia - 2 inauguração assembléia de Deus Hortolândia - 2
Nossa Cidade7 horas ago

Maior Templo da Assembléia de Deus em Hortolândia realiza evento de pré-inaugurarão

A Igreja Assembléia de Deus, Ministério Belém, marcou um momento significativo em Hortolândia com a pré-inaugurarão de seu novo templo...

shopping-parkcity-sumare shopping-parkcity-sumare
Nossa Região1 dia ago

Shopping ParkCity Sumaré celebra o Dia das Mães com a promoção “Cuidar de Si é Cultivar o Amor”

Somando R$ 250,00 em compras, o cliente ganha um lindo presente Natura para valorizar a importância das mães como mulheres...

lula embraer lula embraer
Brasil1 dia ago

Investimentos da Embraer Impulsionam Aviação Brasileira

Durante sua visita ao hangar da Embraer em São José dos Campos, nesta sexta-feira (26), o presidente Luiz Inácio Lula...

Mega-Sena Mega-Sena
Brasil1 dia ago

Sorteio da Mega-Sena 2718 acontece hoje com prêmio de R$ 3 milhões

Após uma aposta de Campinas ganhar sozinha o prêmio de R$ 5 milhões, a Mega-Sena sorteará, na noite deste sábado...

Cantor do Grupo Molejo Cantor do Grupo Molejo
Brasil2 dias ago

Cantor do Grupo Molejo morre após luta contra o câncer

Anderson Leonardo, cantor do grupo Molejo, faleceu hoje (26), aos 51 anos de idade. Ele lutava contra um câncer na...

cosvesi cosvesi
Nossa Cidade2 dias ago

Cervejaria de Hortolândia é premiada na II Copa Sul-americana de Cerveja

Ontem (25/04) foi um dia de celebração para Cervejaria Cosvesi, pois na cerimônia de premiação da II Copa Sul-americana de...

Advertisement
cinema

Populares