Naturalmente o título não se refere às tentações que, do ponto de vista cristão, a carne está sujeita. Haja vista as últimas notícias a respeito da qualidade da carne que certos frigoríferos andaram despejando no mercado, com a conivência corrupta de fiscais do governo, o verdadeiro pecado não é deixar-se levar pela carne e suas tentações, e sim sucumbir ao desejo de alimentar-se dela.
Que o alimento industrializado é inferior ao “natural”, em termos de qualidade e supostos benefícios para a saúde, não há dúvida. Onde encontrar, porém, alimentos “naturais”? A não ser que a pessoa se alimente exclusivamente do que produz, de suas plantas e de seus animais, utilizando apenas adubos orgânicos, é necessário recorrer a alimentos que sofreram algum tipo (às vezes exagerados) de transformação, por menor que seja. Mesmo os pouquíssimos privilegiados que se alimentam exclusivamente do que produzem, talvez estejam sujeitos às mudanças climáticas provocadas pela ação do homem no clima, ou dependem da menor ou maior pureza da água que utilizam. Sem contar o ar que se respira, pois a poluição atmosférica pode afetar os produtos agrícolas. Sendo assim, há séculos que os seres humanos interferem nas leis naturais para aumentar ou aperfeiçoar a produção de alimentos, por vezes processando-os, alterando-os até que adquiram aspectos, cores ou cheiros não naturais e às vezes nocivos à saúde.
Ao fiscalizá-los, as autoridades competentes apenas garantem que estes alimentos não prejudicarão a saúde, isto é, que se encaixam nos parâmetros mínimos de higiene, sem salvaguardar, porém, a qualidade dos produtos, tanto do ponto de vista dos benefícios que possuem como do ponto de vista do esmero e dos cuidados necessários na escolha criteriosa dos ingredientes e dos processos de produção.
Ora, não é difícil imaginar o que acontece quando não se verifica nem mesmo essa fiscalização, como no mais recente episódio da interminável novela de mau gosto da corrupção brasileira. O raciocínio desses inescrupulosos industriais e dos incompetentes e pouco honestos fiscais assemelha-se ao de certos médicos que, para auferir lucros, submetem pacientes à tortura desnecessária de exames inúteis, cirurgias e internações em hospitais infectos: pode até não fazer bem, mas não vai matar, ou melhor, se matar, vai ser aos pouquinhos, sem que alguém possa ser responsabilizado ou quando fica tarde demais para encontrar os culpados.
Qual deve ser a reação do consumidor? Ultimamente, não nos indignamos mais com tais situações, acostumados que estamos aos espetáculos cotidianos que a mídia nos oferece, tanto de crimes hediondos como de roubalheira generalizada. Como acordar e ficar livre desse pesadelo diário? Não há uma fórmula, nem basta apenas prender todos os culpados atuais e os que ainda estão por vir.
Quando um ambiente está infestado por algum tipo de praga, não basta apanhar um chinelo ou um porrete e tentar matar uma por uma, esperando que apareçam para só então dar o bote certeiro. É necessário buscar o ninho de onde parte a praga e eliminá-lo sem deixar vestígios da sua presença. Tarefa difícil e ingrata, mas, não custa lembrar, deve ser praticada no dia a dia e nas mínimas coisas.
Enfim, deixar de comer carne não vai resolver o problema, pois não vai eliminar os que querem nos envenenar aos poucos para amealhar milhões, num salve-se quem puder cujos limites de ganância e falta de escrúpulos foram há muito tempo ultrapassados. A única resposta inteligente e não paliativa para episódios do gênero é urgentemente passar a um mapeamento dos empresários e comerciantes brasileiros, submetendo-os a uma espécie de triagem para identificar os motivos pelos quais frequentemente o empreendedor, ao menos no Brasil, acredita que para obter lucro tenha necessariamente de enganar e corromper. A outa triagem deveria ser feita com os governantes, mas deste assunto já tratei anteriormente e não vale a pena repetir a dose.
Concluindo, é desnecessário afirmar mais uma vez que se trata de um problema de formação de elites conscientes, preocupadas não apenas em encher os próprios bolsos, mas em construir um país progressista e mais justo. Desnecessário, enfim, defender que a formação de classes dirigentes que não ajam como aves de rapina bem como a conscientização das massas dependem de um longo processo educacional, que ainda não começou e nem se sabe se e quando vai começar. Tudo se mostra tão desnecessário que se torna desalentador e, por isso, prefiro fazer ponto final aqui.
Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.
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