Aumento do desemprego e dos preços da cesta básica são as principais reclamações entre classes mais pobres
Ocarrinho no supermercado está cada vez mais vazio. O poder de compra dos brasileiros tem diminuído por conta da inflação e o reajuste salarial não compensa a alta dos preços, especialmente nos produtos considerados básicos para muitas famílias. O leite, a carne, o botijão de gás, além da conta de luz e preços da gasolina e etanol se tornaram opções de luxo. Para consumir um item, muitos deixaram outros de lado.
O economista e gestor de finanças públicas, Matheus Santos, da Faculdade de Campinas explica que o cálculo feito para análise do poder de compra é “uma relação entre a renda média do trabalho e quanto de bens de consumo o trabalhador pode adquirir a partir da renda média que ele aufere mensalmente”. O desequilíbrio nesse resultado provoca uma série de consequências no bolso dos brasileiros.
É o caso de Maiara Passos que trabalha no setor de Recursos Humanos de uma organização religiosa na Bahia. Recém-casada, ela confessa que os principais inimigos das suas economias foram a gasolina e a carne.
“Aumentou logo na minha vez de comprar um carro e casar”, lamenta.
Para driblar os custos, tanto ela quanto seu esposo Natan Passos reduziram o consumo de outros produtos.
Assim como eles, Ludmila Nascimento e Eduardo Henrique confessam que sentiram as variações dos preços mudarem a dinâmica da casa. O casal trabalha em áreas diferentes e, portanto, sofreram as consequências dos reajustes de muitas formas. Enquanto Ludmila atua como enfermeira em um posto de saúde, Eduardo confecciona móveis como marceneiro. Ambos trabalham em Vila Velha, no Espírito Santo.
Apesar de não compreenderem integralmente como a inflação funciona, sabem que isso tem sido um dos motivos para os altos preços no mercado. “O óleo, leite e até o milho de pipoca ficaram muito mais caros”, conta Ludmila. Eles também comentam que o valor que recebem não está cobrindo todas as despesas como antes.
Conta salgada
O cientista político e professor da Universidade Federal do ABC, Ivan Fernandes, explica que “as classes médias e a elite possuem instrumentos financeiros que garantem a proteção da renda contra a inflação, enquanto o trabalhador — seja informal ou formal dentro do sistema CLT — tem instrumentos muito curtos, pequenos e frágeis para combater essa cultura”.
Em 2021 o salário mínimo é de R$ 1100,00, mas o que se comprava em janeiro com esse valor já está muito abaixo do que o esperado para o mês de dezembro. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), considerado o indicador oficial da inflação de baixa renda, divulga periodicamente na página do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, resultados das coletas de informações que baseiam a correção que será feita no salário mínimo do ano seguinte. Segundo dados divulgados em outubro, a perda do poder de compra dos brasileiros foi a maior dos últimos anos.
O setor com maior variação inflacionária no mês de outubro foi transportes (1,99%), seguido de vestuário (1,76%) e, em terceiro lugar, artigos de residência (1,32%). A relação entre os itens da tabela de INPC faz com que a mudança no setor dos transportes interfira no valor dos alimentos e bebidas que estão na quinta posição. Da mesma forma, o descontrole da inflação em qualquer um dos índices influencia em todos os outros aspectos e, por consequência, no cotidiano dos brasileiros de classe baixa.
No caso do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA, os resultados se aproximam, mas são diferentes. Enquanto o primeiro parâmetro mede as variações apenas para a população de baixa renda, o IPCA se encarrega de aumentar o espaço amostral com a coleta de dados às famílias que tem rendimento entre 1 e 40 salários mínimos. Ambos medem a inflação sobre produtos e serviços relacionados ao consumo das famílias em geral.
Devolvendo o poder de compra
O reajuste salarial é feito baseado nesses parâmetros para compensar as taxas inflacionárias.
“O aumento do salário mínimo amplia a capacidade de consumo de quem o recebe, sem resultado direto ou influência significativa na inflação”, pontua o economista.
Ele acrescenta que “outros fatores como o nível de abertura comercial no mercado brasileiro têm mostrado maior poder de influência sobre a inflação, como o caso da Política de Paridade Internacional de Preços (PPI) da Petrobrás”. Por conta disso, o controle da inflação está associado a outras ações políticas.
A economia brasileira gira em torno do tripé macroeconômico: câmbio flutuante, meta de inflação e responsabilidade fiscal. A principal forma de controle utilizada pelo Banco Central é a Selic, taxa básica de juros da economia. “A ideia inicial é aumentar essa variante para reduzir capacidade de investimento e restringir o crédito para o consumo, ou seja, a Selic interfere nos juros dos financiamentos e, se o consumidor nota que estão altos, ele desestimula”, esclarece o economista Matheus.
Apesar disso, outro ponto levantado pelo gestor é que na prática isso não acontece. Ao observar os resultados da inflação nos setores de transporte e vestuário, por exemplo, o economista conclui: “Ambos os setores têm relação direta com a política de formação de preços de paridade de importação (PPI) da Petrobrás, que vincula o preço de venda da gasolina ao preço do petróleo no mercado internacional”. Como consequência, a produção que depende de insumos da empresa está desvinculada da real dinâmica econômica nacional e depende das transações internacionais. Em outros setores acontece de semelhante forma.
Sendo assim, a relação entre a inflação brasileira e a indústria revelam desintegração nacional, em especial quanto a capacidade de consumo da população. O economista frisa que “as mudanças da Selic não têm real capacidade de interferir na inflação atual e o modelo se mostra ultrapassado e arcaico para o novo dinamismo produtivo dos mercados interno e externo”.
A relação entre a inflação brasileira e a indústria revelam desintegração nacional.
O Brasil atrás do mundo?
Segundo o IBGE, o Produto Interno Bruto do Brasil, o PIB, embora não utilize indicadores como qualidade de vida, distribuição de renda e acesso à educação, sintetiza parte do funcionamento da economia do país. Em 2020, o Brasil registrou um PIB per capita de US$ 14.140,00 abaixo do valor de 2011, quando teve US$ 15.394,00.
De acordo com o relatório Focus publicado semanalmente pelo Banco Central do Brasil, as projeções para o PIB divulgados na segunda-feira (29) mostram que em 2021 houve uma redução do PIB, de 4,80% para 4,78%, sendo que quatro semanas antes estava em 4,94%. Para 2022, a projeção registrou 0,58%.
Apesar da crise sanitária, em virtude da covid-19, muitos países conseguiram projeções positivas no PIB. O economista Santos esclarece que a disparidade na inflação dos países não segue uma linha lógica específica. Cada nação lida com a economia de uma maneira. “Na Europa, países como Portugal e Inglaterra sofreram crises energéticas gravíssimas o que elevou o preço do gás natural, insumo das termoelétricas”, exemplifica. Ele também acrescenta que “na Venezuela e na Argentina, a inflação tem sido influenciada pela ausência de articulação entre a indústria local e o mercado internacional”.
Esse pensamento coloca em evidência o dinamismo da economia brasileira e mostra pontos de instabilidade. Entre os fatores, o economista aponta como principais formas de pressão exercida sobre a balança da economia do país, a “livre flutuação do câmbio, o alto índice de indexação de contratos administrados, a falta de coordenação dos diferentes setores da economia, a alta concentração bancária que impede a redução da taxa de juros de mercado e afeta a capacidade de investimento capaz de aumentar a produtividade da indústria local”.
Moeda desvalorizada
A capacidade produtiva brasileira se destaca no cenário internacional, mas a sensibilidade aos eventos econômicos internacionais ainda são um ponto de ajuste na coordenação econômica do país. Nesse aspecto, o encolhimento do PIB brasileiro associado a desvalorização da moeda, o real, vai na contramão de países como a China. A moeda começou a melhorar os índices em 2021, após uma queda drástica em 2020, sendo considerada, segundo o Austin Rating, como a 6ª moeda com mais perda de valor no mundo.
A sensibilidade aos eventos econômicos internacionais ainda são um ponto de ajuste na coordenação econômica do país.
CONFIRA O RANKING DAS MOEDAS
Para equilibrar os danos, o Brasil coloca no comércio internacional boa parte das suas esperanças. No entanto, como pontua Santos, “quando o dólar está apreciado (alto), os produtos brasileiros ganham competitividade no mercado externo e os produtores locais encontram uma forte fonte de lucro ao venderem no mercado externo”.
VEJA COMO O REAL SE COMPORTOU DESDE QUE FOI CRIADO
Para que a taxa inflacionária em virtude do custo de oportunidade da venda local seja equilibrada, existem comissões de segurança alimentar que decidem limites à exportação brasileira de forma que o povo não seja surpreendido com taxas acima da possibilidade de pagamento dos produtos e serviços que, além da taxa de exportação, sofrem influência de outros fatores. “A balança de serviços, balança de capitais e outros itens influenciam com maior peso a taxa de câmbio do que a balança comercial no subitem de produtos alimentícios”, informa.
Quando o assunto é alimentação, a psicóloga Ellen Midian confessa que essas variações pesaram em seu bolso. “A comida ficou muito cara”, reclama. Mãe de duas meninas, Thauana Silva e Thalyta Silva, ela entende que para priorizar a alimentação das meninas terá que deixar de lado outras atividades, especialmente de lazer. A realidade dela se repete em muitas casas.
“A comida ficou muito cara.”
Retomada da estabilidade
Embora o real tenha voltado a crescer, o desemprego e a pandemia acentuam as disparidades no consumo brasileiro. As consequências da perda do poder de compra e da inflação são sentidas com maior impacto pelas pessoas mais pobres. Quanto a isso, o professor Fernandes assegura que as projeções para os próximos meses não são animadoras. Ele afirma que as medidas do governo têm sido insuficientes para reverter a situação, recaindo sobre o Banco Central grande responsabilidade.
“De maneira independente, a instituição financeira vai tentar atuar como freio para esse processo de descontrole fiscal”, afirma.
As previsões do cientista social apontam para uma inflação na casa dos dois dígitos e, caso some 10%, a perda de compra do brasileiro será maior do que nos anos anteriores. “Caso as quedas se acumulem, no ano de 2022, pensando em juros compostos significa que está próximo da perda de um quinto do poder de compra do cidadão brasileiro no espaço de tempo de dois anos”, frisa.
Para aqueles que possuem menor poder aquisitivo, esse quadro representa maior dificuldade para mobilidade social. O economista Matheus pondera que “a inflação corrói a sobra do final do mês, desse modo, gera estagnação da riqueza e bloqueia a mobilidade social ao impedir o acúmulo de poupança capaz de promover a compra de bens duráveis que influenciam na qualidade de vida”.
Desemprego e crise
Os reflexos da pandemia também foram sentidos na balança do desemprego. Rodrigues aponta para as diversas consequências além do não-uso da capacidade produtiva. Como em uma cadeia, quando não há trabalho acontece a produção de mal-estar para aqueles que não podem consumir.
“Por exemplo, quando as pessoas têm dinheiro, isso faz com que elas consumam e essa circulação representa mais emprego, sendo, portanto, um ciclo positivo de crescimento”, acrescenta o cientista social.
Do outro lado, o desemprego provoca “empobrecimento, perda de bem-estar e capacidade de se alimentar”. Isso leva muitas famílias a não terem a alimentação nutritiva adequada e isso traz inúmeras consequências no futuro. Além dos problemas psicológicos e físicos, a violência urbana e familiar tende a aumentar. “A situação é extremamente nociva para a sociedade”, finaliza o professor Ivan.
A taxa de desemprego no Brasil, segundo divulgado pelo IBGE, marcou 12,6% no terceiro trimestre de 2021, após ter registrado 14,9 % e 14,2% no primeiro e segundo semestre, respectivamente. Ainda que esteja em processo de diminuição, com essa taxa, o Brasil se mantém entre os dez piores países entre as principais economias do mundo com maior taxa de desemprego.
Partindo dessa ideia, as expectativas para a recuperação dos danos causados pela hiperinflação e perda do poder de compra são duvidosas. A reconstrução de equilíbrio econômico leva tempo e se não houverem políticas públicas que acelerem esse processo, isso se torna problemático. Enquanto a economia se recupera, o bolso dos brasileiros e a qualidade de vida perdem.
por: Ana Clara Silveira
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