Recentemente temos visto uma discussão se a Bitcoin é uma bolha especulativa. Bitcoin e suas imitações são moedas criptografadas, compostas por uma série de protocolos de software para a geração de códigos digitais e para o rastreamento de transações. À medida que a Bitcoin se valorizou mais de 11 vezes nesse ano e que ultrapassou os 10 mil dólares por unidade, eu continuo a pensar que a mesma está se comportando com um Bem de Giffen.
Bens de Giffen são muito raros e têm uma rara curva de demanda inclinada para cima. Eles podem ser definidos como bens para os quais a quantidade demanda aumenta na medida em que os preços aumentam. Isso é o oposto da maioria dos bens que conhecemos – à medida que os preços aumentam a quantidade demandada cai. Economistas muitas vezes discordam da própria existência dos bens de Giffen, sendo o exemplo mais recorrente, o da grande fome na Irlanda do Século XIX.
Cerca de um milhão de pessoas morreram de fome e doenças epidêmicas entre 1846 e 1851, e cerca de dois milhões de pessoas emigraram (principalmente para os EUA) em menos de uma década (1845-55). As batatas constituíam uma parte significativa da dieta das pessoas nesse país, em conjunto com porções menores de vegetais e carne. O preço das batatas passou a subir demasiadamente, por causa da infestação de um oomiceto (anteriormente considerado como um fungo – Phytophthora infestans), que destruiu massivamente as plantações de batatas. Considerando que a carne era mais cara do que a batatas, quando o preço das batatas subiu houve uma mudança na preferência das pessoas. Isso levou a redução brutal no consumo de carne e a um maior consumo de batatas (um alimento mais nutritivo). O mais problemático nessa série de eventos, é que enquanto um grupo, os irlandeses não poderiam ter comido mais, simplesmente por que haveria menos batatas. Talvez essa explicação se aplicasse a alguns grupos sociais no país.
Sendo verdadeira ou não essa explicação histórica, alguns fatos são relevantes. Bens de Giffen são bens inferiores para os quais o efeito renda domina o efeito substituição. Inferioridade é uma necessidade para um Bem ser de Giffen. O bem inferior é um bem para o qual uma redução na renda é seguida de uma redução na quantidade consumida, ou seja, os bens inferiores tem elasticidade-renda negativa. Adicionalmente, para ser um Bem de Giffen algum bem normal deve ter sido deslocado pelo bem inferior na medida em que o aumento de preço reduz a renda real.
No caso do Bitcoin, está claro para mim que na medida em que os preços aumentam, maior tem sido a demanda por Bitcoins, assim como no caso do Bem de Giffen. O que somente adiciona a esse cenário são as rendas historicamente baixas obtidas por títulos financeiros. Os bens normais que tem sido deslocado são os ativos nos portfólios financeiros. Isso faz sentido porque as pessoas examinam bitcoin (e outras criptomoedas) para ver se elas cabem em seu portfólio ou não, na medida em que buscam por mais rentabilidade. A alta rentabilidade do bitcoin somente traz mais euforia para o mercado, que antes era considerado exclusivo de desenvolvedores de softwares. A curva de oferta de Bitcoins, assim como no caso das batatas, é uma curva de oferta muito inelástica. O software do Bitcoin garante que sempre ocorra uma oferta limitada de moedas à disposição. A mineração da moeda é custosa em tempo, e em recursos computacionais e eletricidade.
O que pode levar ao fim dos aumentos de preços? Assim como na grande fome da Irlanda e com a falta de bens substitutos para as batatas, a emergência de novas criptomoedas pode retroceder o valor do bitcoin. Novas tecnologias que permitam a mineração de forma mais rápida e com menor custo, também poderiam levar a derrocada dos preços. Outra ameaça potencial ao status de Bem de Giffen, pode vir dos hackers. Uma série de ataques já foi observada de roubos de bitcoin, mas a maior ameaça viria de uma tecnologia que permitisse aumentar a oferta da moeda em circulação ou que viesse a criar dúvidas em relação a sua autenticidade.
E a Bitcoin é uma bolha especulativa? Sim, provavelmente!
Prof. Dr. José Alcides Gobbo Junior é professor da Faculdade de Engenharia de Bauru/UNESP. Contato: gobbo@feb.unesp.br
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