Coluna

Precisamos falar sobre nossos adolescentes (ou sobre a urgência da educação sensível)

Nessa semana muitos viram a notícia do desaparecimento em Campinas de uma garotinha de 13 anos, que causou grande mobilização na comunidade. Preocupados com seu destino e com o sofrimento da família, acompanhamos o desfecho da história quando a menina foi encontrada a salvo. Passado o momento de apreensão e expectativa, colocamos novamente sobre a mesa o tema que há tempos assombra pais e educadores: o que leva adolescentes e jovens a adotar comportamentos tão preocupantes, como tem sido reportado pela grande mídia e também pelas redes sociais na atualidade?

A questão é de extrema relevância e merece nossa atenção, especialmente porque a cada novo acontecimento como o noticiado, somos todos atacados por uma avalanche de informações controversas, que só aumentam a angústia que sentimos ao pensar na educação de nossos filhos e alunos. Ouvimos que a menina não era a única, mas sim a segunda ou terceira que fugia. Lemos também que poderia se tratar de um novo jogo online. Recebemos mensagens da família esclarecendo que os motivos eram outros, bem particulares e sem relação com outros colegas. Especulações diversas foram reproduzidas sem critério.

Olhando para o modo como as informações se propagam nas redes sociais, percebemos ser importante refletir acerca do envolvimento e uso de ferramentas digitais. Devemos formar os meninos e meninas para um uso consciente, crítico e responsável de suas redes de conexão, o que passa necessariamente pela aprendizagem também dos adultos, uma vez que somos todos iniciantes no uso de boa parte das tecnologias que se apresentam na atualidade. A armadilha do verdadeiro ou falso não é apenas para os adolescentes, pois também permitimos, muitas vezes, que a voz da “multidão virtual” se misture com a nossa, quando apenas reproduzimos jargões e estereótipos, sem pensar sobre eles. Também nos vemos enrolados entre o compartilhamento de fake news e a propagação de informações genuínas, deixando transparecer o quanto precisamos uns dos outros para ensinar e aprender neste sentido. A conversa sobre mundo digital e os perigos da internet, entretanto, é comprida e merece espaço apenas para si, em outra ocasião.

Sabemos que há perigos online. Desafios assim podem acontecer e precisam ser levados a sério, devidamente identificados e denunciados para investigação. Entretanto, o que nos causa maior apreensão não é sua suposta existência, que na atualidade sabemos já se configurar como uma espécie de lenda urbana (por percebermos seu pior efeito não pelo jogo em si, mas pela propagação do receio dele existir). Sabemos que também há perigos nas ruas, dentro das próprias casas e nos shoppings. Eles existiam, mesmo que de outro modo e formato, antes da internet. É preciso despir-se da ingenuidade de que eliminando a provocação, resolve-se o problema. Por isso, propomos a reflexão sobre o quanto nossas meninas e meninos estão de fato fortalecidos e amparados para lidar com as muitas situações conflituosas que a vida lhes ocasionará. Voltamos o olhar para as atitudes que denunciam, claramente, que algo vai mal na vida de nossos adolescentes e, consequentemente, nas nossas.

Por isso, a preocupação aqui colocada é muito mais ampla do que o caso em si. Por meio dele, o conflito se evidencia e deparamo-nos com a inabilidade para lidar uns com os outros. Falamos, então, do quanto é difícil aos colegas da mesma idade conviver entre si de forma respeitosa e solidária, assim como é penoso aos adultos abordar questões como competitividade, popularidade, bullying e assédio.

Reconhecemos que as medidas tomadas por meninas e meninos têm início na dor, seja ela causada pelo desrespeito, pela indiferença, ou ainda pelo desejo de aprovação. Se algo vai mal, temos o dever de agir, promovendo espaços para conversa e acolhimento às suas angústias. O diálogo aberto e constante, o acompanhamento da rotina dos filhos ou alunos são ferramentas de grande valia, que se fortalecem ainda mais quando reafirmados por exemplos coerentes oferecidos pelos adultos. Se estamos compromissados com a boa convivência, devemos dar demonstrações de que agimos orientados por nossos princípios.

Preocupados com a questão, família e escola devem ter ampla consciência e preparo para a realização de seus papeis. Dentre muitas possibilidades, destacamos que cultivar vínculos e o sentimento de pertencimento ao grupo uma das formas mais eficientes de desenvolvimento da sensibilidade. A partir da confiança estabelecida e da percepção de sua importância para o funcionamento do grupo, os meninos e meninas passam a exercitar a empatia, tornam-se mais disponíveis e ativos nos círculos de relacionamento.

Para que este reconhecimento ocorra, é importante que os adultos saibam fazer-se disponíveis e entendam as dificuldades da nova geração como legítimas, mesmo que não pareçam inicialmente. Do mesmo modo, as preocupações e os medos dos pais e professores precisam ser colocados a eles abertamente, possibilitando a transparência dos valores e princípios pelos quais se preza. É importante que saibam que também sentimos medo, angústia, tristeza, assim como alegria, paixão, coragem. Precisamos também encontrar modos de protegê-los sem privá-los da experiência social. Se a vigília se faz necessária, é num modo de “liberdade assistida”, que permite uma exposição gradativa e dialogada, com a participação dos responsáveis nesse processo.

Nossos filhos e alunos são resultado de uma educação que extrapola as paredes das casas e escolas, que encontra ressonâncias nos círculos de amigos (e suas famílias), nos eventos e grupos sociais e na própria cultura de uma comunidade. Cada adolescente lida com todas estas influências de forma singular e, por isso, é preciso estar atento aos sinais e buscar ajuda especializada quando há motivos para crer que exista um sofrimento ou dependência maior do que é possível administrar / suportar.

A educação das sensibilidades dos adolescentes (e também nossa própria) nunca se fez tão necessária. Dizemos isso por acreditar que eles vão se deparar com um turbilhão de emoções, dilemas, estímulos e conflitos na adolescência e, bem nesse momento, precisarão saber se posicionar e se firmar como indivíduos conscientes e sensíveis. Assim, o que podemos e precisamos fazer por eles é bem mais difícil e também bem mais potente do que afastá-los de supostos perigos: é necessário fazer com que saibam lidar com os próprios sentimentos, com as adversidades e frustrações.

É evidente que a prescrição parece mais óbvia e simples quando colocada em palavras no meio de um texto. Todos concordamos que um indivíduo pleno é aquele que demonstra equilíbrio entre afeto e cognição, que é capaz de desenvolver habilidades sociais com a mesma destreza em que realiza progressos no campo da intelectualidade. Mas como fazer isso acontecer? Tarefa árdua, sem dúvidas. Reconhecer, entretanto, que é necessário educar afetivamente nossos adolescentes, de modo a ensiná-los a lidar com o erro, a prezar pelos valores e princípios que lhe são caros, fazendo com que saibam se colocar no lugar do outro, já é um grande passo, sabemos em qual direção seguir.

Na tentativa de melhor amparar aqueles que convivem com os adolescentes, temos insistido em oferecer dentro da escola suporte e espaço de formação altamente qualificada às famílias e educadores. O fortalecimento dos adolescentes é o único caminho para assegurar que façam escolhas conscientes de suas consequências. Não é tarefa fácil, mas necessária.

A autora Luciana Haddad Ferreira é pedagoga doutora em Educação, tem pós-doutorado em Psicologia Educacional, especialista em Arte e Educação; pesquisadora na área de formação docente e Arte Educação, professora universitária e coordenadora pedagógica do Colégio Integral de Campinas.

Por Luciana Haddad Ferreira (Nana) – coord. Pedagógica Ensino Fundamental 1 e 2 do Colégio Integral

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