O momento político brasileiro requer reflexão. Para refletir, o homem “sábio”, isto é, o que prefere o diálogo e as palavras à força bruta pura e simples, deve recorrer aos livros, clássicos de preferência, ou aos grandes filmes, os que discutem ideias e fazem refletir, não constituindo apenas mero entretenimento. Recomendar um clássico da literatura seria tarefa difícil. Tendo em vista a minha formação cultural e a natureza das minhas atividades profissionais, tendo a recomendar a leitura (ou releitura) da Divina Comédia, de Dante Alighieri, obra inesgotável, fonte constante de conhecimento e de análise das paixões humanas, tragicamente eternas porque inerentes à condição dos seres humanos na Terra. A lista seria longa demais e, portanto, além da obra-prima do grande florentino, poderia aconselhar também o Dom Quixote, de Cervantes, ou o seu antecessor, não menos importante, Orlando Furioso, de Ludovico Ariosto, para melhor compreender a insanidade que aparentemente tomou conta do mundo.
Com relação ao cinema, ousaria propor “Blow-up”, de Antonioni, que, como todo grande livro ou filme, para ser compreendido, precisa ser situado dentro do itinerário artístico do artista. Michelangelo Antonioni começa a mostrar seu grande talento com a trilogia (“A noite” “A aventura” e “O grito”) e passa pelo “O Eclipse”, nos quais paulatinamente esmiúça tanto a hipocrisia burguesa como o conformismo do homem médio europeu diante de um mundo em perene transformação, marcado pelo uso indiscriminado da tecnologia e do aparato midiático.
De certa maneira, “Blow-up”, coroando o brilhante itinerário do cineasta de Ferrara, introduz uma análise do universo pop, situando a trama na louca Londres dos anos 60. De fato, embora seja difícil resumir os fatos marcantes de um filme totalmente baseado no poder das “imagens que falam”, pode-se afirmar, banalmente, que o protagonista do filme é um fotógrafo “playboy “que, entre amores fáceis e fugazes com as modelos que fotografa, acaba descobrindo um suposto crime ao revelar o negativo de uma foto. A partir deste acontecimento, Antonioni, que se baseou livremente num conto de Júlio Cortázar, teria dois caminhos a seguir: 1) transformar a sua obra-prima num mero thriller policial, conduzindo a trama para a descoberta do autor do crime? 2) ressaltar a indiferença do fotógrafo diante da gravidade dos fatos para construir com isto um instigante filme que discute o poder da veiculação inescrupulosa de informações e imagens?
O olhar crítico nos convida a assinalar a segunda opção como a que, aparentemente, foi escolhida pelo cineasta. Aparentemente, porque um filme dessa categoria permite múltiplas interpretações, desde que se respeitem minimamente as intenções do autor, nunca simplistas ou banais.
Se quiserem fugir da modorra e da mesmice dos programas televisivos, caros leitores, não hesitem em procurar o dvd de Blow up ou, se tiverem muita sorte, não deixem de aproveitar eventuais retrospectivas da obra de Antonioni. Para melhor “degustá-lo”, esqueçam as inúmeras séries e filmes comerciais do gênero aos quais porventura tenha assistido. Deleitem-se com este instigante filme que, como toda grande obra, filosófica ou artística, nos enche muito mais de dúvidas do que de certezas.
Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara
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