Certa vez, uma ex-aluna falou-me: já que o nosso parceiro virá com os defeitos de nossos pais, que, pelo menos, venham igualmente com as qualidades deles. Portanto, nada de buscar desvencilhar-se da sogra e do sogro, por mais desejável que seja, porque, como afirmou Mario Quintana (1906-1994), o fantasma é um exibicionista póstumo.
De qualquer modo, gostando ou desgostando, eles – os sogros e as sogras – sempre estarão ao seu lado. Eles estarão na mulher ou no homem que você deseja, com algumas mudanças. Isso tudo ocorre, segundo a psicanalista Piera Aulagnier, porque, no processo de deixar de sermos selvagens, acabamos por agir conforme o desejo de nossos pais, ou seja, de acordo com o que eles esperam de nós.
Porém, com isso, vamos ficando decepcionados, porque jamais satisfaremos os seus desejos, e eles também não se sentirão satisfeitos, e tampouco conseguirão nos satisfazer. Afinal, paulatinamente, vamo-nos distanciando cada vez mais do desejo deles – que sequer eles sabem quais são – e, por outro lado, vamos ficando parecidos com eles.
Em resumo, nem eles são quem aparentam, nem nós somos quem acreditamos. Eles e nós só temos uma vaga ideia acerca do nosso ser em constante metamorfose. O resto jaz no inconsciente. Portanto, vamos investir no que somos diferentes deles e naquilo que somos iguais – desde, é óbvio, que sejam, para nós, qualidades.
Há, porém, um item a respeito das sogras que é terrível. Não sei se por frustração, elas acabam criando todo o tipo de obstáculo, se o namorado(a) da filha não corresponder ao seu desejo.
Primeiramente, elas querem que as filhas saiam de casa, para, assim, voltarem a reinar sozinhas, de preferência com os filhos homens, além do marido. Entretanto, se o namorado não corresponder ao modelo idealizado por elas, ficam completamente transtornadas e são capazes de cometer todo tipo de “loucura”. Se for namorada, algumas realmente necessitam ser internadas.
Antes de apontar minha hipótese acerca dessa conduta, lembro-me de ter lido uma crônica – se não me falha a memória – do saudoso Henfil (1944-1988), em que ele falava que, quando a sua mãe dizia para não fazer política, não sair desprotegido contra as intempéries do tempo, dormir e alimentar-se adequadamente, ela, na verdade, desejava que ele fizesse o contrário e, assim como Cazuza, vivesse sua vida a 300 km/h.
Voltando à nossa historieta acerca das sogras, penso que elas, quando resistem tanto ao namorado ou à namorada escolhida pela filha, na verdade, agem assim por inveja, pois também o(a) desejam. É como se a sogra pensasse assim: minha filha, justamente a que roubou ou me obrigou a dividir o trono, conseguirá relacionar-se com o tipo de homem ou mulher que sempre desejei e, por força da tradição e da minha fraqueza, acabei optando por um “bom pagador de impostos e das luzes da casa”… e só isso! Isso não é justo, não suportarei tamanha infâmia. À maneira da personagem ScarlettO’Hara, interpretada por Vivien Leigh em O tempo levou, ela então conclama ao vento: jamais descansarei em vida, enquanto não terminar com esse relacionamento, com essa felicidade que tanto me dói.
Assim, a sua rejeição ao namorado ou à namorada da filha ou do filho significa, na verdade, uma brutal inveja e a confirmação de que a sua cria não pode ser feliz.
Lembro-me, a esse propósito, de um episódio contado por um amigo. Ele não era a retidão moral em pessoa, no campo amoroso, todavia era bastante sério e consciente para admitir que ele sentia atração sexual por outras mulheres e, ao mesmo tempo, desejava uma mulher independente, além de ter consciência de uma das máximas de Vinícius de Moraes: o amor posto que é chama, seja infinito enquanto dure. Sem contar que ele não era afeito a participar da mesma religião da família e nem dos tradicionais almoços de domingo, que até o churrasco era programado para ser degustado pontualmente às 12 horas e 30 minutos, semelhante à melodia “Cotidiano”, de Chico Buarque.
Pois bem, a vida dele tornou-se um inferno. Mesmo quando a namorada estava em sua casa, o celular não parava de tocar. Era ela – a sogra – perguntando se a filha tinha tomado a medicação e o anticoncepcional; não tinha se esquecido do compromisso profissional no dia seguinte; estava sabendo das últimas do hit parade do mundo das fofocas; e se gostaria que ela fosse buscá-la no dia seguinte. E a história, quanto à retidão dos homens em oposição à do pai, era a mesma, a ponto de se transformar em cântico: os homens não prestam, o único digno dessa qualidade era o seu marido.
Como estava escrito no para-choque de um caminhão: Sogra não é parente. É castigo.
Sinceramente, depois desse relato, os homens e as mulheres só podem desejar que o seu parceiro ou parceira já venha com a sogra morta. É evidente que não estou desejando esse fim para todas. Parafraseio o dramaturgo Nelson Rodrigues: somente para as normais!
Sublinho: nem todas as sogras devem vir mortas. Se concebêssemos os sogros apenas dessa forma, estaríamos sendo levianos. Eles apresentam aspectos positivos, além de terem sido os responsáveis pela existência da amada ou do amado. Se bem que, nesse caso, fico me perguntando se eles fizeram mais o bem ou o mal.
Explico-me. Certa vez, uma gaúcha contou-me uma anedota que, além de engraçada, me pôs a pensar. Disse ela, quando eu estava ministrando aula num curso de especialização:
– Professor, o senhor sabe por que a tartaruga não tem neurose?
– Não! Por quê?
– Ela não conhece a mãe.
Depois de eu e os demais alunos rirmos, colocamo-nos a pensar sobre o núcleo de bom senso da anedota. Primeiramente, pensamos na tartaruga e chegamos à conclusão que, se ela vivia tanto tempo (mais de 300 anos), só tinha uma explicação: ela era no stress.
Além do mais, os leitores e leitoras já devem ter observado o rostinho do bicho. É de uma paz e doçura sem fim. Tais pensamentos me levaram a concluir que ela estava certa: a tartaruga – por não conhecer a mãe – não carregava o peso do seu fantasma, era independente e autodeterminada, não se preocupava com o tempo e nem com os obstáculos que se colocavam no seu caminho, namorava e punha os ovos no lugar que nasceu, sozinha, cobria-os para, assim, ficarem protegidos e, depois de algum tempo, vingarem. Cumprida sua sina, ela saía novamente para o mundo, calmamente e – parece-me – feliz por saber que deixara os seus filhos seguirem sua vida. Realmente, a tartaruga é o único ser que não é neurótico e, por um simples motivo: não há sogro e, principalmente, sogra.
Em tempo: os sogros e as sogras até são importantes, porém, quando são avós. Refiro-me ao fato de – um dia – eles se tornarem avós. E, para quem os teve, sabe que realmente eles são pais com açúcar. Desconfio que, se não fossem eles, as crianças teriam grandes dificuldades para viver e ilusoriamente serem felizes.
Lembro-me, no meu caso, do quanto minha avó foi importante. Ela foi a primeira pessoa a ensinar-me a fumar e ainda com o seu cachimbinho. Hoje, tenho certeza de que não foi um bom ensinamento, mas, na época, foi uma das minhas melhores experiências (se bem que, no início, quase morri de tanto tossir). Foi ela também que contava para mim e para os meus irmãos histórias de assombração, como a do lobisomem, da mula sem cabeça, do saci, que nos levavam a dormir todos na sua pequena cama, pois não tínhamos coragem de irmos para as nossas e sequer de dormirmos sozinhos. Igualmente, foi, por intermédio dela, que ficamos sabendo histórias picantes de nossos pais, que, de outra maneira, jamais saberíamos.
Tenho a lembrança de meu pai a brincar com os seus netos. Ainda hoje tenho como uma das cenas mais lindas. O seu cuidado, o seu amor, suas pequenas transgressões cometidas com a minha sobrinha, como ficar tomando litros de Coca-cola e potes de danone. Em outros termos, fazendo tudo aquilo que os pais – julgados politicamente corretos, nos dias de hoje – costumam proibir expressamente. Os avós são os nossos grandes educadores na arte da transgressão e desconfio que, por causa disso, nos levam a não nos contentarmos com a realidade em voga e, em decorrência, a querer sempre mudá-la.
Entretanto (sempre há um), aí também reside um grave defeito: quando eles querem assumir o lugar dos pais na educação dos filhos.
Caramba! Eles já foram ou são pais. Agora, são avós. Há avô e avó que não se “tocam” disso e, ao invés de contribuir para a educação do neto, a prejudicam. Não estou dizendo que os avós devem preocupar-se em colocar limites. Não é essa a sua função principal. Eles servem para ajudar os netos a rompê-los. Agora, para que isso possa ocorrer, é necessário que os netos tenham limites internalizados, tarefa inicialmente de responsabilidade dos pais. Se eles não os colocam, ou são impedidos pelos avós – por se julgarem senhores da existência de todos –, as crianças não terão condições de, um dia, com a cumplicidade de seus avós, transgredi-los.
Logo, os sogros e as sogras até são importantes. Porém, quando são avós. Repito: somente avós!
Avós, felicidades por seu dia. Vó Isabel, onde quer esteja, obrigado por ter sido minha avó.
Dr. Nelson Pedro-Silva – Psicólogo e docente da UNESP – Câmpus de Assis – nelsonp1@terra.com.br
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