O Brasil sempre foi abençoado com relação aos recursos minerais, inclusive metálicos. O maior exemplo se dá com o ferro e aço, materiais fabricados a partir do minério de ferro e que formam o ramo metalúrgico da siderurgia. Para se ter uma ideia, cerca de 95% dos metais consumidos no mundo são ferrosos (aço e ferro fundido) e, com uma das maiores reservas de minério de ferro do mundo, é razoável que o Brasil desempenhe um papel importante na siderurgia global.
Mas aí vem uma queixa constante de quem não se conforma com o tradicional lugar que é reservado ao país: o de exportador de “commodities”, produtos geralmente minerais e agrícolas comercializados em larga escala no mercado mundial, de valor agregado normalmente baixo e sujeitos a oscilações de preços. Por outro lado, produtos finais, como bens de consumo industrializados, costumam ter valor agregado maior e são considerados mais estratégicos e vantajosos. Dessa forma e em linhas gerais, a economia brasileira vende produtos baratos e compra produtos caros, sendo uma das explicações para o fato de sermos um eterno país “em desenvolvimento”.
Os inconformados usam o exemplo do rompimento da barragem de Mariana-MG, da mineradora Samarco, em 2015: o Brasil exporta produtos in natura ou com pouco beneficiamento, internalizando os impactos ambientais (como a barragem de rejeitos de mineração, nesse caso). Provavelmente até já importamos o aço produzido com esse minério parcialmente beneficiado na forma de equipamentos, automóveis e outros bens de consumo. Quem usa esse exemplo tem razão, mas uma ressalva pode e deve ser feita nesse caso: a siderurgia brasileira é manca.
Para se fazer os metais ferrosos, tão importante quanto o minério de ferro é o carvão mineral. Este acaba funcionando como elemento extrator do ferro de dentro da rocha (que não tem só ferro) e como fonte de energia, já que essa extração ocorre em altas temperaturas. Parte do carbono que o carvão tem entra na composição do metal pois, em quantidades adequadas, dá origem a materiais com propriedades e aplicações variadas. Só que o Brasil não tem carvão mineral bom para siderurgia, havendo a necessidade de importação, o que torna a siderurgia nacional dependente do mercado externo.
Segundo dados do Ministério das Minas e Energia, o Brasil produz cerca de 380 milhões de toneladas de minério de ferro anuais, reservando ao mercado externo aproximadamente 310 milhões de toneladas. As 70 milhões de toneladas de minério que ficam aqui dão origem a cerca de 40 milhões de toneladas de metais ferrosos. Para isso são usadas cerca de 10 milhões de toneladas de carvão, totalmente importadas, transformadas no Brasil em coque (um “primo rico” do carvão) e somadas a outras 2 milhões de toneladas de coque importadas já prontas.
Outro dado, dessa vez mais animador: cerca de 30-40% do metal ferroso que abastece a siderurgia brasileira é sucata. Para se produzir aço a partir da sucata ferrosa geralmente se derrete todos os resíduos num forno e posteriormente é corrigida a sua composição, processo onde alguns “ingredientes” podem ser acrescentados, normalmente em quantidades pequenas. Ou seja, reciclar a sucata economiza enormes quantidades de carvão e “libera” mais minério para ser exportado para países que necessitem.
Mas será que é vantagem exportar minério e reciclar sucata? Não seria melhor vender a sucata para países que não têm minério de ferro e ficarmos com o minério, para fabricarmos produtos melhores que os feitos com a sucata?
Há uma crença, infundada, de que com a sucata ferrosa se produz material inferior que o produzido a partir do minério. Embora isso (o reciclado ter características geralmente inferiores às do material virgem) seja verdade em alguns casos para alguns materiais, com metais a coisa é diferente. Se a sucata tiver qualidade (p.ex., não tiver contaminantes em grandes quantidades) o produto final pode ter tanta qualidade quanto se a matéria prima inicial for oriunda do minério.
Sandro Donnini Mancini (mancini@sorocaba.unesp.br) é professor da Unesp de Sorocaba
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