A sabedoria popular não se equivoca: qualidade é mais importante do que quantidade.Mais vale comer bem, por exemplo, do que comer muito. É melhor ter poucos amigos leais do que uma multidão de colegas em quem não se pode confiar.
Esse raciocínio se aplica a diversas situações em nossas vidas, inclusive na área da saúde. Nos últimos anos, vivemos um boom de cursos de Medicina, com a abertura de milhares de novas vagas país adentro.
Só a Índia supera nossos números. À primeira vista, pode parecer uma boa notícia, mas não nos enganemos -a qualidade do atendimento à população corre sério risco.
Segundo o estudo Demografia Médica no Brasil 2023, resultado de uma fecunda parceria entre a Universidade de São Paulo (USP) e a Associação Médica Brasileira (AMB), a quantidade de médicos em nosso território mais do que dobrou em duas décadas. De 2010 para cá, foram formados mais de 250 mil novos profissionais. Nesse ritmo, dada a ampliação desenfreada de vagas de graduação, em 2035 teremos aqui mais de um milhão trajando jaleco.
Em larga medida, a explosão de cursos teve como justificativa a escassez de médicos fora dos grandes centros urbanos. Esperava-se que um esforço de interiorização pudesse fixá-los nos rincões do país, mas boa parte tem retornado para as capitais. Mais do que apenas prover trabalhadores, é necessário pensar em sua permanência nos lugares mais carentes e no tipo de educação querecebem.Vivemos, como se pode perceber, uma sucessão de cálculos mal feitos.
Muitas vezes,as faculdades privadas – que cobram mensalidades exorbitantes, enriquecendo donos de instituições caducas –funcionam sem hospital-escola, repletas de falhas no planejamento pedagógico e com um corpo docente que ainda deveria estar aprendendo, não ensinando.
Costumam ser cursos de insuficientetransferência de conhecimentos teórico-práticos, nos quais a preparação humana é deixada de lado. Precisamos mesmo de mais “curadores de doenças” que enxergam os pacientes como números, sem olhá-los nos olhos, sem tocar suas mãos?
O centro do debate deve ser a formação dos futuros médicos. É tempo de investir na carreira dos professores, para que se atualizem constantemente e preparem com excelência seus alunos; de aprimorar a infraestrutura das faculdades, modernizando instalações e investindo em equipamentos; de pressionar o Ministério da Educação, para que fortaleça a avaliação e a supervisão dos cursos, com equipes especializadas, capazes de identificar pontos de melhoria; de estreitar a integração entre teoria e prática, através de projetos de extensão, programas de estágio e de residência médica, para que os estudantes apliquem o que aprendem em situações reais de atendimento.
A residência, a propósito, é a melhor maneira de se formar um profissional após a graduação. Ainda assim, é uma forma de especialização, não substitui a boa escola médica. Com a destinação adequada de recursos e a união de esforços coordenados de todas as partes – instituições de ensino, órgãos reguladores e sociedade em geral – é possível transformar o modo como se faz medicina no Brasil. Façamos isso, pelo bem de todos.
Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira
de Clínica Médica
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