Patente da Unicamp avança na produção embarcada de hidrogênio com reformador compacto de etanol. O invento pode ser acoplado a células combustíveis para eletrificação da frota.
Pesquisadores do Laboratório de Otimização, Projeto e Controle Avançado (LOPCA) da Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas (FEQ Unicamp) desenvolveram um reator químico compacto (microrreator) que permite a produção de hidrogênio a partir do etanol. A tecnologia patenteada na Unicamp com apoio da Inova Unicamp, o Núcleo de Inovação Tecnológica da Universidade, pode ser embarcada em veículos e acoplada, ainda, a células combustíveis para mover carros elétricos.
A geração de hidrogênio de fontes renováveis é assunto de interesse mundial na busca de soluções para a diminuição da emissão de gases causadores de efeito estufa, como o dióxido de carbono. O chamado hidrogênio verde é uma das apostas da indústria para a redução dessas emissões. O uso energético do hidrogênio tem como resultado energia e água, que volta para o meio ambiente na forma de vapor.
Alguns dos carros elétricos movidos com o combustível já carregam o gás pressurizado em tanques, porém as pressões de estocagem são altas, requerem cuidados e a montagem de uma infraestrutura, que pode ser proibitiva em um país com as dimensões do Brasil, afirmam os pesquisadores.
“Nossa proposta é outra, estamos falando da possibilidade da produção de hidrogênio embarcada nos carros a partir do etanol. Esse hidrogênio pode alimentar as células combustíveis, possibilitando a eletrificação e reduzindo a emissão de CO2 para a atmosfera de uma forma mais fácil e barata usando tecnologia desenvolvida no país”, explica Rubens Maciel Filho, professor e pesquisador da FEQ Unicamp.
Microrreator de etanol por impressão 3D
O microrreator é um reformador com dimensões reduzidas, através do qual se alimenta com o etanol de um lado e se obtém o hidrogênio do outro. Ele pode ser aplicado para uma série de atividades, desde a indústria farmacêutica até a automotiva. Nesses dispositivos, as reações químicas ocorrem em espaço confinado e trazem os benefícios de intensificação de processos, maximizando as transferências de calor e massa e, portanto, propiciando altas conversões em tempo muito reduzido.
O protótipo, projetado e construído na Unicamp, possui o tamanho de um smartphone e seu núcleo, o coração do sistema, tem apenas cinco centímetros de comprimento. “Devido a essas características, a eficiência e o controle das reações são melhoradas, quando comparados aos reatores convencionais”.
Outra vantagem destacada da tecnologia está na forma de produção do microrreator. As placas que apresentam uma malha de microcanais são feitas por impressão 3D em dispositivos específicos para metais. O uso da manufatura aditiva em processos de fabricação, em acordo com a Indústria 4.0, permite o emprego de softwares de otimização topológica e design.
“A impressão 3D tem-se destacado como tecnologia altamente aplicável em diferentes áreas do setor industrial. Na produção de microssistemas ela é essencial, pois o design das partes internas exige uma arquitetura diferenciada e que dificilmente os processos convencionais de fabricação, como usinagem, fundição, conformação, entre outros, podem reproduzir”, menciona André Jardini, que foi co-orientador da pesquisa e é atual pesquisador sênior do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Biofabricação (BIOFABRIS).
Assim, a impressão 3D facilita a produção e também o desenvolvimento de novos protótipos, com maior rapidez, que atendam às expectativas do mercado, pois possibilita uma liberdade de construção e criação de geometrias que melhoram a eficiência do sistema. O material usado também é descrito como relativamente comum e disponível na indústria, evitando a extração e uso excessivo de minerais raros, sendo uma alternativa atraente do ponto de vista da sustentabilidade. “Além disso, para obtenção do protótipo foram utilizadas técnicas de otimização e simulação, o que possibilitou um rendimento bem elevado de obtenção do hidrogênio”, completa.
Para mover um veículo, o hidrogênio produzido pelo reformador deve passar por uma célula combustível que transforma o gás em eletricidade para funcionar o motor. De acordo com os inventores, o processo já está em escala para uso. A quantidade necessária de microrreatores para mover um veículo, no entanto, vai depender das especificações do carro. Nessa proposta, para escalar até a potência que seja suficiente ao veículo, multiplica-se o número de módulos reacionais.
Por que etanol?
O etanol é um biocombustível produzido em larga escala no Brasil – o país é o segundo maior produtor mundial. Portanto, já sabemos como armazenar e manusear essa substância e há uma infraestrutura nacional de produção que gera empregos e renda. “Já temos postos de combustíveis que fornecem etanol, o que torna a implantação da eletrificação por essa tecnologia mais factível”, afirma Maciel Filho. Segundo o pesquisador, a solução é uma alternativa viável para o Brasil e pode ser também para outros países de dimensões continentais, como a Índia, também produtora de etanol.
A redução da emissão de poluentes é outra vantagem. Embora a reforma do etanol para obtenção do hidrogênio possa gerar uma quantidade de carbono no processo, essa emissão pode ser zerada quando considerada toda a cadeia agroindustrial. “Esse carbono não vem de uma fonte fóssil, como é o caso do hidrogênio produzido a partir do gás natural. É um processo reversível, pois esse carbono é capturado pela cana-de-açúcar quando ela cresce”, defende Maciel Filho.
O etanol usado no processo é, ainda, menos concentrado, comparado com o etanol hidratado e anidro atualmente comercializados, uma vez que a reação depende da presença de água. Portanto, o abastecimento poderia sair mais barato, pois eliminaria custos de energia para obter o etanol nas especificações dos motores a combustão ou para ser misturado com a gasolina. “Nós estamos falando de andar com o veículo, praticamente, com metade da concentração de etanol que se tem hoje no posto de combustível”, diz Maciel Filho.
Patente Verde
A pesquisa que originou a patente foi realizada entre 2009 e 2013. O invento da Unicamp foi protegido pelo programa Patentes Verdes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O serviço identifica novas tecnologias, voltadas para produção de energias alternativas que possam ser rapidamente usadas pela sociedade, para estimular o licenciamento e a inovação no país. A Universidade procura, agora, parceiros comerciais para implantar a tecnologia, continuar com seu desenvolvimento para aplicações específicas e permitir a fabricação de reatores em escala industrial.
“O uso da impressão 3D com diferentes tecnologias e materiais permite materializar ideias e projetos inovadores em objetos reais que devem, em uma etapa inicial, no conceito de protótipos, passar por testes de validação”, ressalta André Jardini. Segundo a equipe, no estágio em que está, empresas do setor já podem se interessar em acelerar o processo de testes e adaptações para as aplicações nas potências especificadas.
“Posteriormente, a mesma tecnologia de impressão 3D pode ser empregada na parte produtiva de fabricação otimizando diferentes etapas de processos e reduzindo custos de produção, além, é claro, de minimizar o desperdício de material, pois atua como processo aditivo e não subtrativo”, finaliza. A transferência de tecnologia por meio de licenciamento é feita com apoio da Agência de Inovação da Unicamp e os pesquisadores participam ativamente do processo.
Texto: Inova Unicamp | Foto: Divulgação
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