A violência pode ser entendida como um tipo de ação, reação, conivência ou omissão envolvendo abuso, violação, conflito violento, exclusão ou degradação, com potencial de agravantes físicos, emocionais, econômicos, ambientais e sociais. Nem sempre é provocada por pessoas físicas, mas também se faz presente em instituições e na própria cultura, manifestando, por exemplo, o preconceito, o medo e as desigualdades. A desigualdade social e a condução das iniciativas de desenvolvimento econômico produzem exploradores e vítimas, direcionando percepções no jogo político, de modo que as necessidades específicas das populações rurais nem sempre recebem uma atenção abrangente.
O racismo ambiental atinge o meio rural, sendo vastas as injustiças que recaem sobre pequenos agricultores, trabalhadores rurais sem terra e povos e comunidades tradicionais, que, em se tratando das áreas não urbanas, tendem a ser os grupos inicialmente prejudicados com certas medidas político-econômicas do modelo capitalista e com a devastação ambiental.
[ad id=”14221″] O Brasil rural enfrenta uma série de diferentes tipos de violência, abrangendo a população (com ou sem terra), sua ocupação ou posse, bem como a própria natureza. Muitos exemplos envolvem situações também existentes no meio urbano, mas guardando particularidades e gravidades específicas no caso do campo. Por conta da insuficiência que ainda envolve fiscalização e denúncia, especialmente no Brasil profundo, grande parte dessa violência tem o desconhecimento social, não chega às autoridades competentes ou não recebe a devida atenção.
Os dados referentes à violência sobre a população do campo não se mostram nítidos, especialmente tendo em conta grupos com necessidades específicas, rotineiramente invisibilizados. A atenção é, não raras vezes, dificultosa ou deixada para segundo plano e a problemática se mantém como realidade. Essa questão pode ser refletida, inicialmente, nos dados de intervenção violenta do Estado e de suas instituições, atingindo grupos marginalizados, ou mesmo na falta de intervenção, no que tange às necessidades sociais, envolvendo esses mesmos grupos.
As situações de violência no campo repercutem em realidades subumanas de vida. A exploração do trabalho infanto-juvenil, o trabalho escravo contemporâneo (muitas vezes “justificado” por supostas dívidas, propositalmente impagáveis), os repetidos acidentes de trabalho com pouca ou nenhuma intervenção decorrente (incluindo a carência de denúncia), a ausência de fonte de renda em muitas famílias, a exposição a situações insalubres (incluindo o contato com agrotóxicos), o abuso sexual, a violência doméstica, o homicídio e a tentativa de homicídio em conflito agrário e ambiental, a ameaça de morte, a expulsão da terra, o analfabetismo e as dificuldades para o acesso ao ensino formal são algumas expressões dos tipos de violência que rondam diferentes áreas rurais. Envolvendo o desrespeito à dignidade humana, tais aspectos afetam inúmeras vidas e, quando registrados, chegam ao conhecimento público na forma dos índices estatísticos. A presença do machismo, do patriarcalismo e de outras formas de opressão, os abusos envolvendo grandes latifundiários e empresários, no cenário do agronegócio e da extração ilegal de madeira, por exemplo, bem como a impunidade em muitos dos crimes, são características que formam espaços para que a violência continue a existir.
Para a ampla compreensão da violência e para a intervenção específica é necessário que ela seja entendida como uma violação de direitos. Direitos básicos, como a liberdade, a atenção em saúde e o acesso à educação, com infraestrutura e qualidade adequada, por vezes, não são atendidos. Comunidades rurais nem sempre dispõe da segurança no trabalho, dos nutrientes necessários para o adequado funcionamento do organismo e do acesso à água potável. Inclusive, os casos relacionados a disputas por água são alarmantes.
A violência no meio rural também envolve a militância ligada à temática, repercutindo no fato de o Brasil, segundo a ONG Global Witness, estar, há anos consecutivos, no topo da lista dos países com assassinatos de ativistas ambientais e da terra, muitos deles sendo indígenas. A violência também atinge o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), principal movimento social campesino brasileiro, que tem entre as pautas centrais a reforma agrária, a justiça e a fraternidade. Envolvendo interesses e influências de grandes grupos privados, a mudança de foco do direito à terra para uma criminalização da mobilização é apresentada no discurso usado para “justificar” diferentes atitudes violentas contra camponeses e militantes. O massacre do Eldorados dos Carajás (Pará, 1996), os dois membros do MST mortos e os integrantes feridos, em Quedas do Iguaçu (Paraná, 2016) e a recente chacina de trabalhadores rurais em Colniza (Mato Grosso, 2017) são exemplos que receberam alguma repercussão na mídia, mas que representam apenas uma parte da violência física, incluindo os homicídios, envolvendo conflitos agrários no país.
No entanto, nem toda violência é cometida diretamente contra a pessoa. Ao falar sobre a violência no campo é relevante abordar a violência à natureza: desmatamento, inadequado cuidado às nascentes, cultivo impróprio de terras e poluição são alguns exemplos da devastação à qual o meio ambiente é submetido. Também pode ser mencionada a degradação ocorrida resultante de problemáticas ligadas à mineração e mesmo à construção de usinas hidroelétricas. Ainda que, conforme veiculado, se tente minimizar os danos e que medidas de segurança tenham sido reforçadas, ocorre a presença de prejuízos causados ao meio ambiente, afetando populações. O ser humano, enquanto parte do ecossistema, especialmente quando pertencente aos grupos socialmente vulneráveis, juntamente com todos os animais, sofre os impactos da inadequada preservação ambiental. Além disso, os assassinatos relacionados a tais empresas e usinas representam um dado alarmante, também apresentado pela Global Witness.
Por fim, cabe realçar que a exclusão social da população rural deve ser combatida. O painel da violação de direitos e suas consequências para camponeses e povos tradicionais deve ser investigado, para uma adequada intervenção. Além da Global Witness, a Unicef, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e a Fase são exemplos de organizações que possuem conteúdos voltados para a temática da violência no campo. Também são importantes as iniciativas de denúncia, registro e comunicação do “Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil”, vinculado à Fiocruz e à Fase. Faz diferença a celeridade na regularização de terras quilombolas e indígenas e de terras destinadas a assentamentos, bem como a necessária garantia de segurança posterior à homologação. No que tange ao trabalho, já cumprem um papel transformador: o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI); o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF); a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), dentre outros órgãos, programas e instituições.
A inadequada deferência sobre o campo está interligada à carência e à necessidade de políticas públicas eficientes e de recursos orçamentários suficientes. Vale lembrar que grande parte da violência possui como pano de fundo a ganância de alguns, provocando a privação e a exploração de outros, de modo a tornar imprescindível a adequada intervenção do Estado, bem como as possíveis ações de outras esferas. É evidente que as iniciativas de prevenção, investigação, punição e superação do modelo de violência na zona rural precisem se expandir e receber maior consideração de organismos governamentais e não-governamentais e da sociedade como um todo, incluindo a necessária proteção dos ativistas. A pessoa que more, trabalhe ou possua espaços de militância na zona rural deve receber atenção, em um olhar e em uma escuta que abranja justiça social e ambiental, solidariedade e democracia.
André Aparecido Medeiros é mestrando do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp, Câmpus de Bauru.
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