A decisão de Donald Trump de seguir adiante com sua promessa sobre o muro entre o México e os Estados Unidos – e de buscar mecanismos para que o país ao sul pague pelo projeto – estremeceu as relações bilaterais. O presidente dos Estados Unidos reavivou a questão no dia 25 de janeiro, ao assinar ordem executiva que determina o início da construção. Posteriormente, o encontro entre os presidentes dos países norte-americanos foi adiado. Enrique Peña Nieto divulgou vídeo reiterando que seu país não pagará pelo muro. Trump, por sua vez, discursou de forma teatral e voltou a reiterar que o pagamento será feito pelo vizinho. Trump ainda criticou o Tratado Norte Americano de Livre-Comércio (Nafta) e considerou a taxação de produtos mexicanos como forma de financiar o projeto, elevando o tom e causando tensão diplomática entre ambos os países. Como consequência, a percepção negativa dos EUA no México cresceu e o futuro presidenciável, Andrés Manuel López Obrador, El Peje, nacionalista e de esquerda viu-se com a popularidade aumentada.
A atuação unilateral de Trump coloca em risco uma das principais alianças estabelecidas na América Latina. Na última década, as relações inter-americanas foram conturbadas. Diversos governos – especialmente os da Venezuela, Bolívia e Equador – pronunciavam-se de maneira anti-imperialista e buscaram distanciar-se dos EUA. Nos dois maiores países do continente – Brasil e Argentina – os últimos anos também assistiram a um esforço de afirmação nacional e ambos buscaram diversificar parcerias com potências extra-regionais, especialmente a China, embora também procurassem manter boas relações com a potência americana.
Contudo, o distanciamento entre a América Latina e os EUA não foi uma tendência continental, já que a potência estabeleceu alianças sólidas, especialmente com a Colômbia e o México. As alianças com ambos envolviam, além do livre comércio, o combate ao crime organizado e garantiram a presença militar da potência na região. Além disso, o afastamento entre EUA e os outros países da América Latina mostrava sinais de reversão. No Brasil e na Argentina há uma busca de aproximação bilateral pelos governos de Michel Temer e Maurício Macri. Os países do eixo bolivariano enfrentam dificuldades importantes e a ideologia que os levou ao poder mostra sinais claros de esgotamento. Considerando esse contexto, a tendência parecia ser de uma aproximação continental e de aceitação da hegemonia dos EUA por parte do sul. Entretanto, a nova variável dificulta a concretização de tal tendência. Ao impor dificuldades ao México e agir de maneira unilateral no assunto, tratando o país como um pária, Trump deixa explícito os riscos de uma escolha estratégica na qual a potência hegemônica aparece como aliada principal.
A América Latina não pode se desvincular dos Estados Unidos, as economias entre ambas as regiões são fortemente interdependentes, de forma desfavorável aos países do sul. A diferença de poder é clara e perpassou toda a história, tornando os EUA o grande outro para os países da região. As elites e as classes média latino-americanas tem os Estados Unidos como modelo e as relações de cooperação militar são fortes e arraigadas. Por outro lado, a contraposição com a potência assume papel central na configuração da noção de “latino-americano” e os movimentos de afirmação nacional firmaram-se em retórica anti-imperialista. Quando passaram por dificuldades, tais movimentos buscaram culpar os Estados Unidos. São essas tendências e movimentos nacionalistas que a postura unilateral de Trump, se mantida ao longo do tempo, tende a intensificar, tornando cada vez mais difícil uma aceitação plena da hegemonia estadunidense naquela que mais fortemente é sua área de influência.
Lívia Peres Milani é mestre e doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp, Unicamp, PUC-SP) e graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. Participa do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (GEDES/Unesp).
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