Próximo da Estação Jacuba em Hortolândia um avô aguardava a passagem do trem de carga junto com seu pequeno neto. Ao término da passagem, o menino, ao ver a locomotiva na última composição, constatou surpreso para o seu avô e disse: “O trem está andando para trás”.
No ano de 2017 o sítio da BBC News noticiava que enquanto o Rio de Janeiro privatizava a gestão do tratamento e fornecimento de água, Paris, Berlin e outras 265 cidades faziam o processo inverso: reestatizava. Ainda agora, neste mês de 2023, em Portugal municípios estão reativando a prestação de serviços via a administração pública, após 25 anos estando entregue nas mãos privadas. O detalhe é que há uma redução significativa na conta de água das famílias variando de 18 a 20%. Fato em resumo, o diário Folha de São Paulo na sua edição de 25/10/2022, anuncia que as empresas de água são as que mais estão sendo reestatizadas no mundo.
Estes fatos e processo vistos acima têm sua origem histórica na reunião de banqueiros, grandes investidores e empresários que ocorreu no final dos anos 1980 e que tinha como objetivo inaugurar uma nova relação do mercado neoliberal com o Estado. Este deveria, em suma, ser diminuído principalmente através da privatização das empresas de interesse público. O dístico eficácia – eficiência e a diminuição de custos era um mantra repetido à exaustão. Significava a ponte para o futuro (e vimos este filme recentemente!). Não havia outro caminho.
O processo de reestatização no mundo, ao findar os longos anos de contratos de privatização tem um significado claro: as prestações de serviços de saneamento e fornecimento de água pioraram drasticamente na sua qualidade e os custos para o consumidor aumentaram. Pergunta-se: a privatização foi boa para quem?
A água é um elemento essencial para a vida. Nosso próprio corpo é composto de 70% de água e mais de 70% da superfície da terra é coberta por água. Não à toa, a água, em muitas religiões, tem sido há milênios celebrada como um elemento sagrado. Para os cristãos, o relato da criação é elucidativo.
Em sentido inverso, a cultura capitalista tem provocado um distanciamento da ideia da água como um recurso natural, um distanciamento do homem da natureza. Assim, legitima-se a expropriação da natureza e suas riquezas naturais para entendê-las como um bem meramente econômico, portanto a sua gestão deveria ocorrer no âmbito da economia de mercado, onde tudo tem planilha e preço. Logo, se o Brasil detém 12% da água potável do planeta, este recurso natural é ser alvo dos investimentos da Nestlé, da Coca Cola e das empresas de mercado acionário. A regra: privatizar e potencializar o lucro e, ao mesmo tempo, distribuir o prejuízo que significa a demissão em massa de técnicos e o aumento da conta de água mensal.
A propriedade pública, na visão dos interesses postos no Estado de São Paulo, deixa de se manifestar como uma proteção do comum e passa a ser uma forma de propriedade privada, reservada aos donos do poder econômico que pode dispor dela como bem entender e espoliar a população.
Fiscalização? Como os próprios representantes das empresas do mercado vão cobrar eles mesmos? Não esqueçamos que houve um desmonte das instituições de fiscalização e controle das garantias e direitos do cidadão e consumidor no período de 2019 a 2022.
Está em curso uma tentativa de financeirizar a água, reproduzindo uma agenda neoliberal excludente e não efetiva. Este conceito está diametricamente oposto à segurança hídrica que garante o acesso à água em qualidade e quantidade necessária para a vida das famílias e para sustentar o desenvolvimento econômico preservando o ambiente natural.
Entendemos a água como um bem comum e não como algo que deve ser subjugado ao mercado financeiro. Neste sentido, lutamos para que também a gestão administrativa da água e do saneamento deva estar sob a gestão pública. Logo: 1) rejeitamos a privatização e a gestão privada da água e saneamento; 2) exigimos a participação popular e social no processo de gestão e acompanhamento das ações; 3) exigimos a garantia de acesso da água potável e saneamento a todas as famílias do Estado de São Paulo.
O governo Estado de São Paulo, além da legalização da grilagem de terras públicas, tem dado passos firmes para a privatização da Sabesp. Resta no imaginário mítico do passado a visão do Estado como uma locomotiva que puxava o Brasil. Ao ir na contramão da história, na vanguarda do atraso, a intuição do menino da Estação Jacuba parece ter sua verdade.
Não à privatização da Sabesp!
Ana Perugini é deputada estadual pelo PT/SP, integrante da Comissão de Assuntos Metropolitanos e Municipais da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo
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