Em junho de 2017, apresentamos ao Congresso Nacional o projeto de lei que prevê a criação do PIB da Vassoura. A ideia é medir o peso dos chamados afazeres domésticos, como limpar a casa, fazer almoço e jantar, lavar roupa, cuidar dos filhos, levá-los a escola, entre outros, no PIB (Produto Interno Bruto), a soma de todas as riquezas do nosso país, para a elaboração de políticas públicas que reconheçam e valorizem a atividade chamada de “trabalho do amor”, que é realizada majoritariamente por mulheres, não é remunerada e é invisível à sociedade, apesar de ser um dos sustentáculos da economia.
Um exemplo do impacto socioeconômico de uma medida como essa acaba de ser implantado na Argentina, onde o cuidado com os filhos passou a contar como tempo de serviço quando a mulher entra com o pedido de aposentadoria. No país vizinho, no cálculo do benefício, estão sendo incluídos um ano de contribuição para cada filho, dois anos para cada filho adotado e três anos para cada filho com deficiência. A medida, segundo o governo argentino, vai beneficiar, de forma imediata, mais de 150 mil mulheres com idades entre 60 e 64 anos.
Além da Argentina, outros países da América Latina também já incluíram o cuidado na economia. Uruguai e México, por exemplo, implementaram políticas públicas, como a criação de assistência gratuita a crianças e idosos, para que as mulheres tenham mais tempo para se dedicar a suas carreiras, e programas de combate à discriminação de gênero. Em função da nossa proposta, tivemos a oportunidade de visitar os dois países, a convite da ONU Mulheres, para acompanhar de perto como tudo isso funciona.
Na prática, precisamos, inicialmente, que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) faça uma pesquisa para mensurar o valor da contribuição do cuidado para a economia. Fazendo uma reflexão rápida, o que seria da produção de alimentos se o agricultor não tivesse “alguém” com quem deixar os filhos? Sabemos que essa pessoa acaba abrindo mão de uma potencial carreira para se dedicar exclusivamente ao cuidado.
A partir daí, abriríamos um enorme “guarda-chuva”, chamado tecnicamente de conta-satélite, para estruturar políticas públicas para a valorização das donas de casa, a garantia de direitos como compensação previdenciária em curso na Argentina e o desenvolvimento de ações de combate à desigualdade e em busca da paridade de gênero no nosso país.
Valorizar o trabalho da dona de casa e enquadrá-la como pessoa economicamente ativa é uma forma de reconhecer um elo esquecido mas essencial na cadeia produtiva brasileira. Atualmente, aproximadamente 40 milhões de mulheres dedicam-se à família no Brasil. Segundo a economista Hildete Pereira de Melo, professora da Universidade Federal Fluminense, o conjunto dessas atividades, que ficou conhecido como “PIB da Vassoura”, pode representar um incremento de 10% no PIB nacional, que foi de R$ 7,4 trilhões em 2020.
Conforme explica a professora Hildete, “na sociedade mercantil capitalista em que vivemos, só é valorado [quando há atribuição de valor] o que é vendido”. Como o trabalho doméstico é um dos pilares do patriarcado, esses afazeres sempre foram vistos como obrigação feminina dentro do espaço de servidão reservado, historicamente, às mulheres.
Aos poucos, estamos superando essa visão machista e avançando. Nossos vizinhos são exemplos de que, com vontade política e, sobretudo, mobilização de homens e mulheres, é possível tirar as donas de casa da invisibilidade e enxergá-las como trabalhadoras, produtivas e protagonistas que são, com papel fundamental na sociedade.
Ana Peruginié funcionária pública do TJ-SP, com formação em direito pela PUC-Campinas e pós-graduação em gestão pública pela FGV/Perseu Abramo. Mãe de três meninas, foi vereadora, deputada estadual e federal, quando presidiu a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. É autora do projeto que cria o PIB da Vassoura
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