Dia 21 de março comemora-se o Dia Mundial da Poesia. No ano passado, por ocasião do Dia do Professor, escrevi um artigo em que, infelizmente, dadas as condições da maioria dos professores, sobretudo no Brasil, concluí que não havia motivos para festejar. E com relação à poesia? A situação é semelhante, se não for pior.
Ao receber o prêmio Nobel, o grande poeta italiano Eugênio Montale proferiu um discurso em que investigava as possibilidades de sobrevivência da poesia no mundo contemporâneo. O discurso, escrito em 1975, já tinha um tom pessimista. Mas o que diria Montale se ainda estivesse vivo e pudesse assistir ao verdadeiro massacre a que a poesia vem sendo submetida?
Na verdade, não é somente a poesia que sofre o bombardeio pesado da vulgarização proporcionada pela internet e derivados (facebook, instagram, etc.). Vivemos num período histórico crítico em que a própria conversação civilizada entre as pessoas, sobretudo entre os mais jovens, está se tornando impraticável, sendo facilmente substituída pela atitude covarde de evitar o “cara a cara” e substituí-lo pelo bate papo à distância, quase sempre sobre assuntos banais ou vulgares. Num mundo assim há ainda espaço para a literatura e, sobretudo, para a poesia?
Entre os estudantes de letras nas universidades brasileiras é cada vez mais difícil encontrar os que se dediquem ao estudo dos grandes poetas, preferindo a narrativa por seu caráter aparentemente mais “fácil”. O mesmo pode-se dizer dos que cada vez menos se dedicam ao estudo da musicalidade dos versos e das evidentes e necessárias correspondências do fazer poético com a música. Onde estão? É como procurar agulha num palheiro!
No entanto, poderíamos argumentar que ainda há muitos poetas e ainda se publicam muitos livros de poesia, o que é indiscutível. O problema, porém, não se resume a estatísticas e números, mas remete à mercantilização e à banalização das relações humanas que redundam em desprezo pelas atividades artísticas diretamente ligadas à sensibilidade, dificilmente digeridas pela mídia que requer velocidade tanto na difusão como na assimilação do fato artístico. Sendo assim, pouco espaço pode haver para uma linguagem como a poética que sintetiza muita informação em poucas palavras, mas que exige muito tempo para ser devidamente “destrinchada” e compreendida.
O nosso tempo não é mais o da fruição poética, pois atingimos o auge de um processo que vem desde o século XVII de progresso científico-tecnológico e de consequente marginalização do artista e das artes. Os poetas tentaram adequar-se aos novos tempos, mas nem sempre os resultados foram satisfatórios, pois nos casos extremos chegou-se a uma poesia totalmente descaracterizada, constituindo quase uma antipoesia.
Cada vez mais o único espaço válido e possível passa a ser o da música popular que destaca os versos muitas vezes em detrimento da própria melodia, como é o caso do recente prêmio Nobel Bob Dylan, ou das melhores canções de Chico Buarque e Caetano Veloso, para permanecermos no âmbito nacional. No entanto, se por um lado a sua utilização pela boa música popular lhe garante uma sobrevida, por outro atesta a sua marginalização e o ambiente cada vez mais refratário que encontra na nossa sociedade. É como se a música popular “prestasse um favor” para a moribunda poesia. Além do mais, trata-se de versos populares, frequentemente de grande valor e beleza, mas que raramente se tornam “clássicos”, isto é, eternos e universais.
O próprio fato de ter sido necessário instituir um dia para comemorá-la mostra um pouco a situação a que se chegou. Enfim, se no Dia do Professor concluí que não havia muito a comemorar, o mesmo preciso dizer, infelizmente, com relação ao Dia da Poesia. Talvez reste como consolo o fato de que o acesso aos grandes poetas universais seja muito mais fácil hoje em dia do que era na época em que Montale escreveu o seu discurso, justamente graças à malfadada internet. Talvez com o tempo, portanto, tanto os professores como os poetas passem de vítimas da banalização e do menosprezo pela cultura, sobretudo humanística, a sábios usuários dos novíssimos meios de comunicação, emprestando-lhes um pouco mais de dignidade e valor cultural.
Sérgio Mauro é professor da faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.
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