Coluna

Nada é de graça: qual é realmente o preço dos seus dados no Facebook?

Já se discute até certo ponto a prática de diversas empresas que prestam serviços na Internet de coletar os dados de seus usuários de maneira massiva, para que depois possam utilizá-los na otimização da exibição de propagandas e sugestões em suas plataformas, de um modo que elas estejam mais alinhadas com o perfil de cada um. Isso se tornou uma máxima replicada por toda a rede.

Por consequência, isso permite que serviços como Facebook e Google cobrem mais de cada anunciante, já que eles tem a possibilidade de conectar produtos que empresas querem vender com os interesses de potenciais compradores. Em tese, essa é a contrapartida recebida pela prestadora de serviços em troca do produto que ela oferece sem custo monetário a seu usuário, que pode ser um portal de buscas, mídias sociais, provedor de e-mail, ou qualquer outro.

O que pouco se discute, no entanto, é qual seria uma alternativa realista ao modelo apresentado por essas prestadoras de serviço. Ela existe? Será o caso de que a Internet possui alguma característica inata que força os serviços oferecidos nela a serem gratuitos, pois não seriam atraentes para os usuários se tivessem um custo monetário? Me parece que no mínimo cabe uma análise breve do tema.

Quero especular aqui a opção de uma versão paga do Facebook, totalmente opcional, na qual os dados pessoais do usuário não sejam utilizados para qualquer fim além daqueles explicitamente voltados à interação social. Isso significaria inclusive que a empresa não poderia conduzir nenhum dos testes de comportamento que regularmente faz, como quando em 2014 manipularam os posts vistos por cerca de 700 mil usuários para que esses fossem expostos só a posts tristes ou felizes, assim podendo analisar se isso alterava o estado emocional das pessoas (a resposta é que sim, existe uma correlação direta entre o que é visto e o que se posta na plataforma).

Nossa pergunta inicial então é: qual seria o valor necessário para que a inclusão dessa opção fizesse sentido para a empresa? Segundo os dados apresentados pela Facebook para o governo estadunidense em novembro de 2017, se fatura em média US$ 5 por usuário por quartil — a cada três meses. Os usuários da América do Norte são o ponto fora da curva, gerando US$ 21 por quartil.

Isso poderia nos levar a imaginar que um valor entre 5 e 15 dólares poderia ser cobrado universalmente. Talvez ainda melhor do que isso, um valor diferente poderia ser pensado para cada região, como já é praticado por algumas lojas de bens digitais, que ao invés de cobrarem a partir do preço em dólares dos produtos, levam em conta o perfil econômico de cada região. Assim, na América Latina poderia se pagar 5 dólares, enquanto no Norte Global poderiam pagar 15 dólares.

Problemas sérios existem, no entanto: primeiro, o produto principal da Facebook não é a plataforma de conteúdo na qual os usuários fazem seus posts, mas sim o algoritmo que está por trás desse sistema. Qualquer programador qualificado pode criar uma interface de mídia social, mas é a maneira como a Facebook minera os dados de seus usuários e como consegue revender eles que tem valor real.

Segundo, a auditoria do não uso dos dados para usuários pagantes teria de ser feita por uma parte externa independente. Considerando que o algoritmo utilizado pela Facebook é considerado por ela como secreto e restrito por propriedade intelectual, todo tipo de controvérsia iria emergir desse conflito de interesses, e qualquer restrição imposta pela empresa poderia significar uma brecha para ser explorada e fazer uso dos dados do mesmo jeito.

Por fim, não parece existir grande interesse das pessoas em proteger seus dados caso isso implique o gasto de dinheiro; afirmo isso com base em diversos eventos e palestras dos quais já participei, seja como orador ou ouvinte. Levantei a ideia perante mais de cem estudantes de ensino médio latino-americanos durante um evento de engajamento com jovens. Dentro dessa demografia chave para o Facebook, muitos consideraram importante a existência da opção, mas apenas dois ou três dos cem concordaram que pagariam por el

Enquanto não for desenvolvida uma mentalidade dentro da sociedade de que existe um valor monetário real e quantificável para as informações pertinentes ao nosso comportamento, padrões e ações, permaneceremos sem controle sobre essas informações, pois continuarão a parecer para a grande maioria como uma boa moeda com a qual pagar serviços na Internet. Não é uma questão de esse não ser um modelo válido, mas sim de ser o único modelo apresentado, não permitindo a autonomia do usuário em decidir como interagir com o serviço.

Mark W. Datysgeld é mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP), especialista nos temas da Governança da Internet e no impacto da tecnologia na formação de políticas públicas e privadas. É fundador do curso Governance Primer, iniciativa gratuita de ensino de Governança da Internet na América Latina. Toda sua produção está disponível em: www.markwd.website

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