No dia 30 de janeiro de 2017, o presidente da Argentina, Maurício Macri, assinou um decreto de necessidade e urgência (DNU), que visava endurecer as regras de migração. A decisão executiva visa facilitar processos de deportação em caso de investigações criminais e de ingresso irregular no país. Determina também o endurecimento do controle de antecedentes criminais antes da permissão de entrada. O governo argentino justifica a medida como parte do combate ao narcotráfico e relaciona o aumento da criminalidade com o fluxo de migrantes da Bolívia, do Peru e do Paraguai.
De acordo com o decreto da presidência argentina, mais de vinte por cento da população carcerária nas prisões federais é de migrantes. Por outro lado, organizações não-governamentais, como a Anistia Internacional Argentina e o Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), argumentam que o governo omite a significativa baixa dos índices ao se considerar o sistema carcerário como um todo, no qual há apenas seis por cento de migrantes. De acordo com essas organizações, apesar da relação feita pelo governo, menos de 0,1 por cento da população de migrantes foi condenada por o envolvimento com o narcotráfico.
O caso atraiu atenção pela proximidade temporal com o decreto de Donald Trump assinado em 27 de janeiro. A ordem executiva de Trump impedia por noventa dias a entrada de nacionais de sete países majoritariamente muçulmanos nos Estados Unidos: Irã, Iraque, Síria, Yemen, Sudão, Líbia e Somália. A medida ainda limitava significativamente a admissão de refugiados e gerou acusações de discriminação religiosa. A controversa decisão tinha por objetivo, de acordo com o governo Trump, o combate ao terrorismo e o presidente invocou os atentados de 11 de setembro de 2001 para justificá-la. Entretanto, de acordo com o Cato Institute, no período de 1975 a 2015, não existem registros de ataques terroristas com fatalidades realizados por nacionais dos sete países que foram objeto da medida.
Fazer paralelos entre os decretos dos EUA e da Argentina demanda cautela pois as diferenças são significativas. A decisão de Trump é mais radical e foi tomada de forma unilateral pelo presidente, gerando conflitos entre o executivo e o judiciário, que se movimentou para barrá-la. No caso argentino, apesar da decisão ter partido de medida executiva, houve concertação com líderes de oposição no Senado e não há suspensão da entrada de nacionais de qualquer país. Apesar da coincidência temporal, é pouco provável que haja uma relação entre a ordem de Macri e a eleição nos EUA. O endurecimento do combate ao narcotráfico, que serviu de base para o decreto, foi uma das principais promessas de campanha de Macri.
Há semelhança entre os dois processos, todavia, em um ponto específico: as duas medidas buscam relacionar migração e questões de segurança interna, criando um “inimigo público” relacionado com a figura do estrangeiro. No caso dos EUA, é feita uma relação entre migração e terrorismo e, na Argentina, entre migração e crime. Ao fazê-lo, os governos estigmatizam grupos marginalizados e intensificam um processo de criminalização das migrações. Assim, contribuem para intensificar o preconceito, a discriminação a grupos específicos e vão na contra-mão da tradição de ambos os países, notórios por seu passado de abertura a migrantes.
Lívia Peres Milani é mestre e doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp, Unicamp, PUC-SP) e graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista – Unesp. Participa do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (GEDES/Unesp).
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