Coluna

Capitalismo de compadrio e corrupção sistêmica

Reza o bom senso que o Estado não deve tratar empresas nem bondosa nem cruelmente demais. Naquilo que tem de bom, a sabedoria proverbial vislumbra os problemas criados pela união íntima entre valores comerciais e normas públicas. O chamado capitalismo de compadrio prospera no adubo das relações estreitas entre empresas e funcionários do Estado, com sua dose tóxica de subsídios, incentivos fiscais, autorizações e facilitação de empréstimos com recursos públicos. Remissivo à esfera familiar e afetiva, o termo compadrio revela o que esse sistema carrega de favorecimento e predileção, bem ao contrário da impessoalidade prevista para a Administração Pública por preceito constitucional.

Cortejada por empresários indolentes, não tão possuídos assim pelo animal spirit, a proteção do Estado pavimenta o caminho para o enriquecimento de elites informais – no sentido de não terem tomado o poder pelo caminho eleitoral. O tratamento preferencial e os privilégios que essas elites recebem fazem com que as forças do Estado, e não as forças do mercado, sejam o fator crucial para se angariar e manter riqueza. Vivem no melhor dos mundos: têm os benefícios da livre empresa sem os ônus da livre concorrência. Laissez faire mas não laissez passer. Tendo de escolher entre a lei, distante, pouco respeitada e apenas esporadicamente aplicada; e um mercado bárbaro, os compadres-capitalistas se aconchegam e se aninham no poder dos seus padrinhos.

Colocando a questão em termos antigamente usados: comparava-se a economia a um bolo e a discussão era se o bolo já devia ser distribuído ou se deveria deixar o bolo crescer mais para só então dividi-lo. O capitalista de compadrio não quer ser fermento – e contribuir para o bolo crescer – mas quer receber uma fatia maior.

No lado político, o presidencialismo de coalizão brasileiro, por um tempo exaltado mundialmente como exemplo de possibilidade de convivência harmônica de presidencialismo, federalismo, bicameralismo, multipartidarismo e representação proporcional, proporcionou a oferta de padrinhos adequados e em quantidade suficiente.

Recursos financeiros massivos fluíram para as campanhas e ganharam prestígio, como armas na arena eleitoral, as astuciosas estratégias midiáticas. Marqueteiros comandaram verdadeiras guerras informacionais, valendo-se de técnicas elaboradas de manipulação da opinião pública. Cada vez mais, as eleições se firmaram como a forma de tomar o poder, perdendo qualquer vestígio de sua ligação originária com a expressão da vontade popular.

É fato que a disputa eleitoral é intensa em qualquer democracia. Mas no capitalismo de compadrio essa intensidade é aguçada pelo altíssimo valor do que está em jogo – pois o controle do poder político é vital para o funcionamento do sistema. Curiosamente, apesar de o sistema proporcional justamente evitar a lógica de que o “vencedor leva tudo”, em termos da aritmética eleitoral, é exatamente com esta mentalidade que a elite vencedora se comporta, desrespeitando quaisquer limites legais ou civis. Essa vem sendo a triste realidade brasileira.

Quando funciona bem, o mecanismo eleitoral não apenas assegura a transferência de poder mas, também revela a natureza predatória das elites compadres e mina a legitimidade de uma ordem política e econômica manufaturada por uma classe dirigente egoísta e descontrolada. Talvez a única vantagem do acirramento da competição eleitoral seja a ferocidade com que adversários políticos buscam descobrir e explorar os escândalos contra os adversários, o que acaba gerando o efeito colateral de assegurar alguma limpeza. Esse conflito interelites, entretanto, contribui para gerar mais descrédito na política como um todo. A população vira as costas para a política, desacreditando-a, bem como as instituições.

Essa é a realidade captada por diversas pesquisas, acadêmicas e de opinião pública. Esse caldo de decepção e desencantamento é alimento certo para populistas e autoritários. Não é por menos que estamos às voltas com a possibilidade de factoides virarem realidade, como a ascensão de candidaturas oriundas do pior conservadorismo reacionário. E não estamos falando de Donald Trump, só para esclarecer.

André Rehbein Sathler,  economista, professor do Mestrado em Poder Legislativo da Câmara dos Deputados
Valdemir Pires, economista, professor do Curso de Administração Pública da UNESP

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