Com raríssimas exceções, uma árvore não passa de um obstáculo no processo de urbanização e garantia do bem-estar das pessoas que vivem na cidade. Recentemente, fui testemunha disso mais uma vez, quando vi o tronco de um exemplar de mais de 20 anos no chão, condenado à morte porque um de seus galhos atingiu um veículo. Dias antes, eu havia tido acesso a um estudo que aponta o alto grau de urbanização de municípios da Região Metropolitana de Campinas. Diante da espécie abatida, pensei: até que ponto vale a transformação, se não houver respeito a todas as formas de vida?
É claro que o processo de urbanização foi algo pelo qual lutamos durante muitos anos para melhorar nossa qualidade de vida: água, esgoto, asfalto, iluminação e um sistema viário que democratize a mobilidade urbana, independentemente do endereço do morador. Porém, precisamos fazer uma reflexão sobre os limites da transformação urbana e a necessidade de um olhar sustentável para as cidades. Além de preservar o que já temos – a flora, a fauna e os mananciais de abastecimento -, precisamos ampliar nossas áreas verdes para combater a poluição e reduzir o aquecimento global.
Durante evento paralelo da COP26 (26ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas), em Glasgow, na Escócia, a professora Josiléia Kaingang, símbolo da resistência indígena no sul do país, destacou o papel das mulheres indígenas na luta pela demarcação de território e pela proteção do meio ambiente.
Para Josiléia, “reflorestar não é apenas plantar árvores; é compartilhar solidariedade e cuidar um do outro. E esse outro não é só um ser humano; são as nossas florestas, as nossas águas”. Somente este cuidado garantirá que sobrevivamos num mundo movido por produção, consumo e evolução a qualquer custo.
Em 2008, durante a construção do Câmpus Hortolândia do IFSP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo), inaugurado quatro anos depois, havia uma árvore bem no local que abrigaria um dos blocos de salas de aula da escola. Na ocasião, sugerimos uma pequena adaptação no projeto para que ela não fosse “despejada” de sua própria casa. Atualmente, a árvore continua lá, no estacionamento, bela e frondosa, fazendo parte da história do instituto e do cotidiano dos alunos.
E é assim que deve ser. Afinal, árvores são seres vivos e merecem ser tratadas como tais; com carinho, respeito e dedicação. Da mesma forma que o ar, a terra, as plantas, os animais e os rios, o ser humano também faz parte do meio ambiente e, por isso, precisa se integrar a ele e cuidar para que todos nós possamos sobreviver juntos.
Esse foi um dos argumentos que usamos na Assembleia Legislativa de São Paulo, entre 2007 e 2014, quando coordenamos a Frente Parlamentar de Acompanhamento das Ações da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). As falhas da empresa na gestão do saneamento estavam causando um enorme impacto ambiental em diversos municípios paulistas. Nosso trabalho de fiscalização e exigência do cumprimento dos contratos de concessão resultou em obras que minimizaram danos e garantiram maior equilíbrio ante a degradação em curso nas cidades.
Hortolândia é exemplo disso. Em 2005, tínhamos cerca de 90 mil fossas, predomínio de ruas de terra e um sistema de mobilidade que estimulava a saída da cidade, enfraquecendo nosso comércio e reforçando a condição de cidade-dormitório. Além disso, faltava água, iluminação, transporte, praças, parques e outras opções de lazer. Hoje, o município é o quinto mais urbanizado do Brasil, de acordo com o Ranking Connected Smart Cities 2021, elaborado pela Urban Systems para medir o potencial de desenvolvimento de municípios brasileiros com mais de 50 mil habitantes.
Com a urbanização consolidada, nosso grande desafio agora é “povoar” a cidade com árvores nativas, aves e demais seres que tornarão nossas vidas ainda mais felizes e sustentáveis. Se chegamos a esse patamar em apenas 30 anos de emancipação política, alguém duvida que podemos nos tornar mais um pontinho verde no mapa do Estado?
Ana Perugini é funcionária pública do TJ-SP, com formação em direito pela PUC-Campinas e pós-graduação em gestão pública pela FGV/Perseu Abramo. Mãe de três meninas, foi vereadora, deputada estadual e federal, quando presidiu a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. É autora do projeto que cria o PIB da Vassoura
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