Coluna

A vida é muito curta para ser pequena

Temos empregos que odiamos para comprar coisas que não precisamos.

Tyler Durden, de “O clube da Luta”

Outro dia eu tinha dezessete anos, estava aprovado no vestibular e tinha a vida toda pela frente; hoje acordei com sessenta anos e, olhando para trás, percebi que “de zero a dez” minha vida é no máximo nota quatro.

É verdade que tenho filhos de caráter e formação extraordinários, mas o mérito é grandemente da Celinha, do Notre Dame e da espiritualidade que envolvia a escola, do CISV, que abriu um mundo de possibilidades para eles e das relações afetivas e acolhedoras da família.

Transcrevo os versos do Cazuza, Poeta da minha geração, para descrever o que senti na manhã que acordei surpreso com sessenta anos:

Os meus sonhos
Foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Ah, eu nem acredito

Que aquele garoto que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Frequenta agora
As festas do Grand Monde

Fato é que o tempo aqui no planeta é bem curtinho e acabamos desperdiçando o nosso tempo em coisas das quais não gostamos e deixando “para depois” aquilo que de fato amamos, sentimento sintetizado pelo poema dos Titãs:

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer

Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor

Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr

Assustado com a minha condição de idoso – definida pela Lei Federal 10741/2003, mais conhecida como Estatuto do Idoso -, tenho “pensado na vida”, no caminho que percorri, no caminhar e nas companhias.

A nossa vida é marcada pelo tempo e pelo medo, pelo tempo que nos resta e pelo medo de não alcançarmos sucesso; tenho tido flashes de momentos que tiveram ou tem significado na caminhada; lembrei de uma conversa que tive com o meu tio Chico dentro da piscina da casa dele; ele me perguntou: “Você está feliz com a faculdade, gostando do curso?”, respondi afirmativamente, mas ressalvei “tenho medo apenas da mediocridade”; ele respondeu: “esse é um medo bom. Estude, estude mais e depois estude mais um pouco, mas não apenas Direito”, depois desse conselho o medo passou.

Mas o fato é que, aos sessenta anos, o tempo que gastei, cooptado pela lógica médio-classista, me fez correr atrás de coisas que não tem relevância alguma; e, o que mais tem “doído”, é a certeza de que gastei tempo demais colocando meu apenas o conhecimento e a alma para solucionar questões que não me diziam respeito, especialmente no âmbito profissional; e a retribuição? nada além dos honorários e algumas vezes nem isso.

O susto me alertou não apenas de que a vida é curta, mas que eu gastei tempo demais com coisas desnecessárias; a ideia de finitude e mortalidade não me perturba, apenas não quero mais gastar tempo de forma equivocada. A consciência da mortalidade não é negativa, pois como disse o Cortella: “é essa consciência que nos desperta da letargia”, algumas pessoas, contudo – e não são poucas – se distraem em relação a isso e como escreveu Chico Buarque:

Vida, minha vidaOlha o que é que eu fizDeixei a fatia mais doce da vidaNa mesa dos homens de vida vaziaMas, vida, ali, quem sabe, eu fui feliz

Tive uma sócia, de triste lembrança, que dizia: “não conheço ninguém que goste tanto de voltar para casa após o trabalho”, ela dizia isso porque, raramente, eu participava de happy hours; de fato, prefiro voltar para casa; gostava de encontrar os meninos, a Celinha, o Jow, o Tommy, o Ditão e o Marreta (nossos cachorros, que estiveram conosco por todo o tempo de suas vidas), meus livros e o caos criativo e criador que uma casa cheia de histórias nos oferece.

Passei tempo demais vivendo uma vida pequena, no ritmo das pequenas coisas falsamente urgentes e deixando de lado o que é de fato importante. Podemos ser condescendes conosco – o que é, inclusive uma tendência humana, tão humana -, e dizer que vivemos um tempo quem que tudo é apressado, que temos uma agenda lotada de compromissos profissionais e sociais, que a conectividade exige de nós insanidade, etc e tal; tudo isso é verdade, mas o fato é que tudo na vida são escolhas nossas.

Escolhas ruins, nos levam a caminhos ruins e a resultados piores ainda.

Observo as novas gerações, escravos e escravas do número de “likes” e “unlikes” que se tem, isso faz com que haja não só ausência de tempo, mas uma perda de tempo. Não se trata de afirmar que toda rede social e tecnologia é ruim e seja, em si, uma perda de tempo, mas a não utilização com parcimônia, inteligência e uma medida boa, faz com que se perca um tempo imenso ao dar retorno apenas para não chatear a outra pessoa. Isso faz com que, a vida que é curta, vá se apequenando exatamente pela ausência de capacidade de cuidar daquilo que é importante. Mas a questão do uso da tecnologia vamos tratar noutro momento.

A reflexão de hoje caminha, mesmo que caótica, para chegar a uma frase de Benjamin Disraeli, 1.º Conde de Beaconsfield, que foi um político Conservador britânico, escritor, aristocrata, além de Primeiro-Ministro do Reino Unido em duas ocasiões: “A vida é muito curta para ser pequena”.

Pedro Benedito Maciel Neto, 60, advogado e pontepretano, sócio da www.macielneto.adv.brpedromaciel@macielneto.adv.br

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