Coluna

A política da fome

“É fome, por favor, é fome”. A cena de um homem implorando por comida em uma rua de Brasília é emblemática. O vídeo que viralizou nas redes sociais é o retrato de um país que perdeu a empatia com os mais pobres e parece ter adotado a fome como estratégia política.

Na capital do país, que deveria ser o berço de políticas públicas para garantir dignidade e bem-estar ao nosso povo, o senhor que se identificou como Marcos é apenas mais um entre 19 milhões de brasileiros e brasileiras que passam fome todos os dias.

Em 2018, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), eram 10,3 milhões nessa situação. Ou seja, em três anos, o número quase dobrou. Quase 60% da população (125,6 milhões) não come adequadamente desde o início da pandemia.

O desemprego, que atinge 14 milhões de brasileiros, leva pessoas a dependerem do Estado. O governo, por sua vez, encolhe seus “braços”, num movimento deliberado de indiferença. O auxílio emergencial caiu de R$ 600 em 2020 para a média de R$ 250.

Além disso, nosso principal programa de transferência de renda acaba de ser extinto. O Bolsa Família – estruturado pela socióloga Ruth Cardoso e implantado pelo presidente Lula a partir da unificação do Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e do Auxílio Gás – pagou a última parcela a 14 milhões de famílias, no dia 29 de outubro. No lugar dele, nasce o Auxílio Brasil, que tem prazo de validade eleitoral, regras sem clareza e fonte de recursos indefinida.

Nesse cenário crônico de crise, o aporte federal virou a única fonte de renda para milhões de pessoas. Pessoas que vão ao supermercado, compram arroz, feijão, macarrão e óleo e veem a carne na vitrine do açougue como algo, por ora, inacessível.

No Brasil atual, osso, pelanca, sebo, carcaça, pé de frango e restos de peixe substituíram a picanha e o filé de outrora, e o garimpo da fome – em lixeiras, caçambas e caminhões de lixo – estampa nosso retrocesso na mídia internacional.

A fome é uma arma histórica da opressão. Na Segunda Guerra, o exército nazista matou quase um milhão de pessoas no cerco a Leningrado, na Rússia. A cidade foi isolada por um muro e vigiada por soldados alemães durante 872 dias, com as famílias sem comida, lutando pela sobrevivência. A estratégia era desgastar os moradores de fome para ocupar a localidade de pouco mais de 3 milhões de habitantes.

Antes da pandemia, morriam, em média, 17 pessoas por dia em decorrência de complicações causadas pela desnutrição no Brasil. Com a Covid-19, o número de afetados pela fome aumentou cinco vezes e a taxa média de mortalidade é de 11 mortes por minuto, no mundo.
Sem políticas públicas de geração de emprego e renda, segurança alimentar e combate à miséria, nosso povo sofre. Com fome, o ser humano perde a noção de cidadania; ele não pensa, se desespera, rouba, mente e desperta seus piores instintos.

Fome é dor e morte. Temos de vencê-la e diminuir o desemprego para recuperar a dignidade, devolver a esperança e resgatar a alegria do povo brasileiro.

Ana Peruginié funcionária pública do TJ-SP, com formação em direito pela PUC-Campinas e pós-graduação em gestão pública pela FGV/Perseu Abramo. Mãe de três meninas, foi vereadora, deputada estadual e federal, quando presidiu a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. É autora do projeto que cria o PIB da Vassoura

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