Dois estádios preparados para a Copa do Mundo – Arena Corinthians, em São Paulo, e Arena da Baixada, em Curitiba – não poderão oferecer telefonia e banda larga aos torcedores conforme o planejado. E, dos doze estádios, seis não terão reforço de sinal por meio de Wi-Fi.
Parece um problema restrito à Copa do Mundo, mas esses casos revelam um cenário muito mais sério: o Brasil ainda não está preparado para distribuir a telefonia móvel de quarta geração (4G) aos consumidores. A estrutura é precária e as operadoras ainda nem conseguiram implantar a 3G plenamente.
Enfim, jornalistas e torcedores estrangeiros enfrentarão enormes dificuldades durante um mês de Copa do Mundo. Mas os brasileiros consumidores da nova tecnologia enfrentarão problemas maiores ainda por muitos e muitos meses ou anos.
A precariedade do atendimento na competição esportiva levanta o véu de uma questão mais grave: ao anunciar um leilão para a concessão do serviço de telefonia móvel 4G no País na frequência 700 MHz, provavelmente em agosto, o governo federal jogou no ar uma quantidade enorme de dúvidas e pouca clareza de propósitos.
Não pode ser pela melhoria da qualidade do serviço, muito menos para beneficiar o consumidor brasileiro. Ao contrário, se algum interesse sobressai aí é o de engordar o caixa do Tesouro, de olho num futuro superávit fiscal.
O governo deveria ter bem claro – ao menos sua agência reguladora – que a última licitação de 4G na faixa de 2,5 GHz foi recente. Os investimentos das operadoras no seu desenvolvimento ainda são enormes; sem contar que, ao mesmo tempo, se investe na tecnologia anterior, a 3G, a que melhor serve ao País no momento.
O governo age de forma açodada, deixando as operadoras, prestadores de serviços e trabalhadores num beco sem saída. O certo é que tão cedo não haverá retorno desse investimento. O resultado é claro: haverá perda de receita, os novos investimentos serão desestimulados, o preço para o consumidor aumentará, a qualidade e a penetração dos serviços serão reduzidas. Ninguém desconhece que a faixa de 700 MHz é fundamental para a expansão da banda larga móvel no País e no futuro trará ganhos para toda a sociedade brasileira.
Mas anunciar um leilão sem que as condições estejam muito bem explicitadas é jogar para a plateia e dizer ao distinto público que se preocupa com a melhora dos serviços. Discursos de palanque costumam esconder reais intenções. Há um longo caminho a percorrer e entraves a remover antes que a telefonia móvel de quarta geração funcione bem na nova frequência.
Nosso sindicato, com base nacional, agrega aproximadamente 1200 empresas prestadoras de serviços para concessionárias de telecomunicações, de TV por assinatura e público privado em geral. São responsáveis pela instalação de telefones, de sistemas de internet e de TV por assinatura na casa de usuários, pela operação de call centers e pela realização de reparos técnicos em equipamentos, dentre outras várias atividades. E empregam atualmente centenas de milhares de pessoas em todo o País.
Neste contexto, temos absoluta legitimidade e amplo conhecimento dos problemas enfrentados no setor de telecomunicações, notadamente na área de telefonia móvel. Por isso, causa grave preocupação a forma pela qual o tema da qualidade do serviço tem sido enfrentado.
Sabemos que os usuários enfrentam sérios transtornos diariamente em todo Brasil com ligações pelos celulares. É difícil efetuar uma chamada completa sem que seja interrompida por problemas no sinal. É preciso desenvolver uma sólida infraestrutura para que tudo funcione bem. Necessitamos investir rapidamente em maior treinamento e qualificação de mão de obra para melhoria dos serviços ofertados à população.
As autoridades competentes devem trabalhar num planejamento estratégico mais eficiente para aprimorar a qualidade dos serviços atualmente prestados, antes da aventura de novos leilões. Uma nova tecnologia, sem o preparo adequado e aparentemente com propósitos econômicos, só tende a agravar o quadro atual.
Os estudos econômicos realizados, cronogramas de liberação de faixas, soluções de interferências e outros já deveriam ser de pleno conhecimento de todos. São guardados indevidamente a sete chaves e impostos goela abaixo.
Essas questões, de indiscutível relevância e gravidade, podem e devem ser analisadas no âmbito do Tribunal de Contas da União, consideradas as atribuições fiscalizadoras dessa C. Corte, e pelo Legislativo. O que não se pode admitir é a completa inércia do poder público em relação a essa matéria, com inegáveis prejuízos aos usuários e ao próprio interesse público.
Evidente que o futuro edital deverá detalhar os estudos econômicos, com as projeções de receita, de custos e despesas e o custo médio de capital, considerados pela agência reguladora na formação do preço mínimo e demais cláusulas. Entendemos também que o serviço e a projeção de receita associada ao uso da faixa de 700 MHz são os mesmos relacionados ao uso da faixa de 2,5 GHz, uma vez que as condições técnicas que proporcionam a fruição de tecnologia são similares.
O setor faz algumas considerações:
— condições de acesso devem ser cuidadosamente definidas, pois há implicações para o cronograma de disponibilização, preço do espectro, prazos de pagamento, custo para mitigação de interferências, custo das obrigações de cobertura e qualidade e de remanejamento de canais;
— importante considerar que, na avaliação do preço específico do espectro, o uso da faixa não será fonte de novas receitas, pois o serviço 4G já está sendo prestado na faixa de 2,5 GHz, adquirida recentemente e com infraestrutura ainda em implantação;
— além do custo do espectro, o preço final pago pela faixa deve considerar todos os demais custos, como obrigações de cobertura, mitigação de interferências, filtros e eventuais compensações para o setor de radiodifusão;
— a imposição de obrigações para outorga do uso do 700 MHz deve se balizar pela busca de sustentabilidade econômica das operações das empresas envolvidas, de estímulo aos investimentos, da capacitação de mão de obra, além da razoabilidade na definição de critérios para impor obrigações e definição do preço mínimo;
— as condições de licitação devem ser muito claras sobre o cronograma efetivo de disponibilização das faixas para uso móvel e, mais do que isso, estabelecer que os pagamentos estejam associados a essa disponibilização;
— levando-se em consideração todos os custos envolvidos na disponibilização e implantação do 700 MHz, é importante que as regras do leilão não criem mecanismos artificiais para aumento deliberado do preço, uma vez que isso se traduzirá em maiores preços para o consumidor final e menor penetração dos serviços.
Esse rol de preocupações tem toda a razão de ser. Afinal, o setor de telecomunicações deverá pagar muito caro pela concessão dos serviços. E o governo, além do dinheiro, quer receber também os aplausos.
* Vivien Mello Suruagy é engenheira, presidente do Sindicato Nacional das Empresas Prestadoras de Serviços em Telecomunicações (Sinstal)
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